terça-feira, 29 de março de 2022

MANA CHICA GOYTACÁ - Por mais Cabruncas e menos lamparões - Carolina de Cássia

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MANA CHICA GOYTACÁ - Por mais Cabruncas e menos lamparões ** 

Carolina de Cássia*** 

A estreia do curta “Faroeste Cabrunco” e do doc. que revela o seu processo de construção  foi sensacional. 

Na verdade não sei se existiu uma produção ficcional no município – caso a pesquisar. Dia desses, comentei com um ator dos velhos tempos que eu adoraria fazer um filme de ficção, baseado no livro Mangue, de Osório Peixoto. Para minha surpresa ele disse que esse filme foi realizado e nunca editado, que ele chegou a fazer parte como ator. Ahn? Mistérios ou falta de apoio para que o filme fosse finalizado?

Voltando ao Faroeste! O coronelismo que marca os campos Goytacá e todo território mundial, que fomenta a colonização até os dias de hoje, é um fato. Trazer essa realidade para a ficção é uma sabedoria invejável (a inveja fica por conta de meu lugar de documentarista). 

Considero o filme como uma sátira que nos convoca a refletir quem são os coronéis contemporâneos.  Além daqueles que continuam a mamar nos fundecanas do Estado existe os que, historicamente, cortam nossas árvores, retiram gramados para colocar um piso de granito encerado, onde a guerra pela sobrevivência se dá, para que ali não seja nosso túmulo como espetáculo.

Os personagens que pareceriam absurdos fora do filme, o fazem acontecer, num movimento de corpo invisível que provoca a imaginação no jogo realidade/ficção, que tudo vê no olhar profundo do Cabrunco.

Victor Van Ralse (diretor e roteirista) dá um show de criatividade no roteiro; aguça nossa memória de infância nas sessões da tarde, relembra o jongo (pisei na pedra pedra balanceou levanta meu povo cativeiro se acabou) e revela a realidade coronelista, colonizadora, expropriadora, mas sem esquecer a resistência Goytacá e negra que nos marca. Na guerra entre o bem e o mal, mocinho e bandido a luta é a vencedora, parece que não acaba nunca.

É um filme de resistência e utopia quando encerra com o presente que a mulher do povo - atriz Michelle Pereira – recebe do Cabrunco.  Hum, mas vai que, as luzes acendem e o lamparão coronelzinho tá ali, tá ali no palco do teatro e da vida, nos provocando a “pocar tudo” e persistir. 

Persistência é o que não falta para a maioria dos artistas. Fazer um filme dessa grandeza com um orçamento que parece mais piada é sofrível. Um conjunto maravilhoso de artistas - uns que atuam desde os anos 60, outros recém-formados no curso de teatro do IFF - faz o filme acontecer como um ativismo pela arte. 



Mas até quando a sobrevivência dos artistas terá que passar por isso, desde atuar sem cachê ou cachê irrisório/ diárias - como o nome diz, dia tem não e o outro também - até assistir seu trabalho ser utilizado no palco como propaganda eleitoreira de coronéis fantasiados de produtores /gestores culturais? Até quando?

Não sou bairrista e a guerra anda reafirmando isso, mas na terrinha do chuvisco e da goiabada existiu e existe muito artista com conhecimento grandioso, mas raramente reconhecido. Raros são os que vivem da arte sem recorrer ao emprego público. O que deveria ser diferente, óbvio. A autonomia artística e o financiamento do trabalho artístico pelo Estado é o mínimo que podemos reivindicar.

Torcendo pelo sucesso/premiação do filme, de forma que possam receber mais do que um prato de torresmo com chope, como diz um amigo meu do ramo, que nem imagina como e quando irá se aposentar.

Ah, o filme conta com fotografia maravilhosa, interpretação excelente das atrizes/atores. Fico imaginando a trabalheira da produção no processo. Muito feliz com o trabalho de vocês. 

A Mana Chica deseja que entre na agenda das escolas e do teatro apresentações diárias do filme para a meninada. Aí sim, Vamos “pocar tudo” só que, contra os coronéis!

Que venham muitos!

                                                                            Outono de 2022.

* As fotos do set de filmagem que ilustram esta crítica nos foram cedidas gentilmente por Victor Van Ralse, diretor e criador de Faroeste Cabrunco.

** Texto publicado no perfil do Facebook da autora ((https://www.facebook.com/ccarolina.cassia.92) oportunamente em 28 de março de 2022, aniversário de Campos dos Goytacazes. Reproduzimos aqui com a autorização de Carolina.

*** Assistente Social e Documentarista. Realizou 14 filmes, sendo 12 documentários que revelam a realidade do Norte Fluminense e alguns estados do Nordeste. Seus filmes trazem um olhar anticolonialista valorizando a sabedoria popular, a criticidade e a resistência cotidiana. E-mail para contato: carolinadecassia07@yahoo.com.br. Seus filmes podem ser degustados em seu canal no YouTube: https://www.youtube.com/c/CarolinadeC%C3%A1ssia.

                                                                       

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