Entre os dias 14 e 19 de março, a Genial/Quaest fez uma nova rodada
da pesquisa “O que pensa o mercado financeiro: o governo Lula”[i].
Foram entrevistados 101 operadores do mercado financeiro ligados a 101 fundos
de investimentos com sedes em Rio de Janeiro e São Paulo.
Para 96% dos pesquisados, Lula é pouco ou nada confiável. Já
Roberto Campos Neto, o presidente do agora autônomo Banco Central, possui a
confiança de 81% dessa gente. Apenas 1% dos pesquisados diz confiar muito em
Lula.
A mesma pesquisa havia sido feita em novembro de 2023. Àquela
altura, 52% dos entrevistados afirmaram ter uma visão negativa do governo Lula.
Nessa última pesquisa esse índice subiu para 64%, enquanto 30% tinha visão
regular e apenas 6% uma visão positiva. Em contraste com o presidente, Fernando
Haddad, ministro da Fazenda, é avaliado positivamente por 50% dos pesquisados. Já Campos Neto foi avaliado positivamente por 94%.
A causa principal dessa rejeição do mercado financeiro a Lula
está, para 50% dos pesquisados, no temor de que o governo aumente sua
intervenção na economia. Esse temor é de longe maior do que um eventual estouro
da meta fiscal, considerado um risco para 23% dos pesquisados.
O ameaçador espectro do intervencionismo estatal declarado
pelos pesquisados estaria nos constantes atritos de Lula com Campos Neto,
presidente do BC, por causa das altas taxas de juros. Do mesmo modo o risco intervencionista
estaria na recente decisão do governo de não remunerar com dividendos
extraordinários os investidores da Petrobrás e nas críticas de Lula à política
da Vale, que deveria estar alinhada ao projeto desenvolvimentista do governo.
Para 97% dos pesquisados foi uma decisão errada o governo não
pagar os dividendos extraordinários alcançados pela Petrobrás com os
acionistas. No caso da Vale, 89% declarou que uma intervenção do governo na
empresa poderia levar a uma diminuição dos investimentos estrangeiros no
Brasil. O temor também se alastra sobre possíveis interferências no Banco
Central, que é o responsável por manter uma política fiscal que mantém intacto
os interesses do rentismo.
Como o eixo da acumulação capitalista em nosso país está
centrado na especulação financeira, entende-se o temor manifestado pelos
agentes do mercado de o governo mexer na Petrobrás e na Vale. Afinal, em termos
de volume, ambas são de longe as empresas nacionais que mais pagam dividendos
aos seus acionistas.
Essa é a intervenção estatal temida pelo mercado. É o governo
se imiscuir na administração de empresas sobre as quais o rentismo detém relativo
nível de participação acionária. Vistas pelo mercado financeiro como empresas
cuja finalidade é dar lucro para remunerar acionistas, rejeitam qualquer
ingerência estatal que busque redirecionar seu papel no sentido de atender o
interesse público, o que afetaria o volume assombroso de lucros e dividendos
por elas distribuídos.
Do mesmo modo, torna-se inaceitável alterar a política básica
de juros que remunera os títulos da dívida pública. Em 2017, os fundos de
previdência (com 25,5%), fundos de investimentos (com 25,2%) e as instituições
financeiras (com 22,3%), eram os principais controladores da dívida pública[ii].
No Orçamento Geral da União está reservado, para de 2024, R$
2,5 trilhões destinados a pagaar juros e amortizações da dívida. Segundo
matéria do Brasil de Fato de 2016, as aplicações em Títulos e Valores
Imobiliários representavam 43% das receitas auferidas pelos bancos nos dois
anos anteriores[iii].
Apesar de todo o falatório sobre as virtudes do mercado livre
e das vantagens do Estado mínimo, na prática, impera uma apropriação privada do
Estado por pouquíssimos grupos capitalistas, que o utilizam com o propósito
exclusivo de facilitar uma acumulação parasitária de capital.
Outro ponto interessante na pesquisa é o quesito confiança em
líderes políticos. Neste caso, Lula é pouco ou nada confiável para 96% dos
pesquisados. Nem mesmo Fernando Haddad, responsável por inviabilizar o governo
por sua defesa da agenda neoliberal, é bem avaliado pelo mercado. Dentre os
pesquisados, 48% confiam pouco ou nada no ministro.
Para os membros do mercado financeiro que responderam à
pesquisa, confiáveis mesmo são os políticos liberais puro-sangue. Aqueles que
não cederiam a agenda “populista” da gastança e da irresponsabilidade fiscal.
Neste quesito, já como um sinal do candidato preferido dos rentistas, o
governador paulista Tarcísio de Freitas é considerado muito confiável para 62%
dos pesquisados. Mas o campeão em confiabilidade do mercado é Roberto Campos
Neto, cujo índice alcançou 81%.
Essa pesquisa poderia ensinar ao governo em geral, e a Lula
em particular, a inutilidade de adular o mercado financeiro. Manter uma
política econômica que corresponde aos seus interesses, não garante apoio dessa
gente ao governo e muito menos a Lula. Ao contrário, as desconfianças
permanecem, e ainda por cima indispõe o governo com sua base
político-eleitoral.
A razão é simples: o rentismo não aceita discutir os termos
do ajuste ultraliberal. Qualquer sinal de mínima alteração ou reforma no modelo
é inadmitida e gera reações negativas e de desconfiança. Por isso a rejeição ao
governo e a Lula. E pouco lhes importa que o ministro da economia, Fernando
Haddad, adule o mercado com o anúncio de medidas antipopulares, como a de
flexibilizar os pisos mínimos constitucionais da saúde e educação para garantir
a meta do déficit zero[iv].
O que o mercado quer é um compromisso total e absoluto com
sua agenda. Governos que tenham uma base político-eleitoral formada pelas
classes populares representam um problema, já que suas expectativas são
contrárias a da especulação financeira, pois precisam de algum modo ser
atendidas, mesmo que de forma limitada.
Por isso, mesmo propostas rebaixadas que buscam se aproveitar
de pequenas brechas no modelo ultraliberal, como o programa Nova Indústria
Brasil, são rechaçados como repetição de velhas fórmulas fracassadas. Os
agentes do mercado a justificam pelo temor de descontrole das contas públicas e
de uma suposta desconexão do Brasil das cadeias globais de valor[v].
Outro exemplo foi a criminosa declaração de um porta-voz do mercado, de que o
crescimento de 2,9% do PIB em 2023 estaria a causar pressões inflacionárias,
devendo a expectativa de expansão ser reduzida para abaixo de 2%[vi].
A política do mercado financeiro, muito interconectado ao
sistema financeiro internacional, tem um “projeto” nacional, que é o de proibir
a economia brasileira de crescer, de se desenvolver, de garantir algum nível de
soberania nacional, de ter preocupações mínimas com geração de emprego e
garantia de renda. Pretende-se no fundo manter o país em estado de estagnação e
aprofundar uma política de saque e pilhagem da riqueza nacional via
privatizações. Para essa malta, na divisão internacional do trabalho, o papel do
Brasil é o de se limitar a produzir commodities agrominerais e de sermos um
espaço de valorização do capital financeiro globalizado. E só.
É por esse viés, da manutenção de uma política econômica que
no fundamental não altera a vida do povo, mas que garante os enormes lucros da
parasitagem financeira, é que a queda na popularidade e nos índices de
aprovação do governo deve ser considerada. O problema do governo não é de falta
de comunicação, mas falta de política. Se quiser mesmo afastar o risco de volta
da extrema-direita na eleição de 2026, o governo precisa urgentemente parar com
sua política de adulação ao mercado, que tem destruído o tecido social e
alimentado a demagogia do protofascismo.
*Renato Nucci Júnior é ativista da Organização Comunista Arma da Crítica (OCAC).
[i] https://twitter.com/genialinveste/status/1770442313690427856
[ii] https://monitormercantil.com.br/quem-s-o-os-detentores-da-d-vida-p-blica/
[iii] https://www.brasildefatorj.com.br/2016/07/20/quem-sao-os-proprietarios-da-divida-publica-brasileira
[iv] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/04/flexibilizar-pisos-de-saude-e-educacao-pode-liberar-r-131-bi-para-outros-gastos-ate-2033.shtml
[v] https://einvestidor.estadao.com.br/mercado/por-que-mercado-desaprova-nova-politica-industrial/
[vi] https://www.estadao.com.br/economia/entrevista-alexandre-schwartsman-pib-dificuldade-inflacao/
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