sábado, 29 de fevereiro de 2020

Da Planície Goytacá ao Planalto Central: Sobre poderes, instituições e teorias políticas implícitas

Da Planície Goytacá ao Planalto Central: Sobre poderes, instituições e teorias políticas implícitas

George Gomes Coutinho

Não podemos dizer que está tudo bem em nossa conjuntura. Da Planície Goytacá ao Planalto Central os legislativos ganharam a atenção da opinião pública ao desafiar seus executivos dentro da ordem constitucional, com maior ou menor impacto e guardadas as devidas proporções. Até então essa não deveria ser questão a nos preocupar dado que momentos de atrito entre poderes estão previstos na arquitetura das instituições políticas modernas. O maior problema são as reações dos seus respectivos executivos.

Em Campos vimos a não aprovação da Lei Orçamentária Anual em rodada ordinária de votações, fazendo com que a LOA só fosse aprovada no início deste ano.

No âmbito federal temos instalado o que alguns chamam com bom humor de Maiamentarismo. Outros chamam simplesmente de “parlamentarismo branco”. Neste caso em particular muitas vezes as proposições vindas do executivo são repaginadas, rediscutidas, algumas rechaçadas e outras acatadas.

As reações dos executivos foram dramáticas nos dois casos. Em Campos o prefeito Rafael Diniz foi acusado de pressionar o legislativo[1] e naquele momento certo alarde foi feito na opinião pública nesta cidade onde parte da economia depende dramaticamente de recursos públicos. Embora a não aprovação da LOA não atingisse as despesas obrigatórias, vide salários de servidores e dívida pública, uma narrativa de crítica pesada ao legislativo local circulou. Contudo as críticas, inclusive as perpetradas por Diniz, se indicavam certo pendor autoritário, onde o legislativo por vezes é visto como uma espécie de correia de transmissão do executivo, estas não flertaram perigosamente com a ruptura institucional. Eram críticas duras onde a população “comprou” a interpretação de que o legislativo seria uma espécie de inimigo a ser combatido e refletem antes um sentimento autoritário endêmico que é um traço de nossa cultura política.

Esta desconfiança ante o legislativo não é uma novidade. Cabe lembrar Luiz Inácio Lula da Silva e a acusação de uma Câmara Federal formada por “300 picaretas com anel de doutor”.

O problema é onde esta narrativa pode nos levar. A satanização de um dos poderes, ou mais de um, ignora as recomendações da filosofia política moderna que encontramos em Montesquieu ou nos Federalist Papers. Não precisamos entrar aqui nos detalhes das obras desta tradição filosófica liberal. Basta lembrarmos que dividirmos a responsabilidade dos processos de tomada de decisão é uma possível prevenção contra arroubos tirânicos. Sim, estamos falando de tirania.

A história humana nos mostra que, contrariando Platão e seu Rei-Filósofo, Faróis da Alexandria tem pés de barro quando decantam na realidade. Sob a égide do “correto”, do “mais justo”, “do mais sábio”, etc., plenos poderes concentrados não costumam produzir bom resultado justamente quando reconhecemos a política enquanto é: humana, demasiado humana, escrava de paixões, caprichos e muitas vezes impenitente em seus erros.

Retomando a nossa linha argumentativa factual, sim, legislativos contrariarem os seus respectivos executivos faz parte das regras do jogo na Democracia Representativa Liberal, nome completo disto que simplesmente chamamos de democracia. Diniz quando utilizou de retórica em disputa com seu legislativo rebelde, embora tenha carregado nas tintas e flertado com certo pendor autoritário, não atravessou o Rubicão. Apenas surfou a onda do traço autoritário subjacente que também é parte de nossa cultura política onde os legislativos são mais vilões do que mocinhos.

Outra coisa muito diferente e grave é o chefe do executivo divulgar vídeos de apoio a protestos em março próximo que afrontam as bases institucionais brasileiras vigentes.

Cabe notarmos que a convocatória dos protestos de 15 de março tiveram por estopim a fala do General Augusto Heleno onde o Congresso é acusado de chantagear o executivo. O General recomendou o “foda-se”. O 15 de março talvez seja uma forma de plasmar o “foda-se” clamado pelo General.

Não nos cabe discutir aqui crimes de responsabilidade, problema já debatido muitíssimo por juristas diversos na grande mídia. Mas, neste momento é fundamental assinalarmos que quando um membro importante do executivo sugere um “foda-se” em público a um dos poderes e este agente é demasiado próximo do presidente, a segurança e o respeito pelas instituições encontram-se no volume morto. Para além disso, denuncia que a teoria política subjacente ao que temos no poder no executivo federal é qualquer coisa... Mas, não merece de forma alguma o termo “liberal”. O alerta vermelho prossegue aceso e não dá sinais de que irá apagar tão cedo.




Nenhum comentário:

Postar um comentário