quinta-feira, 22 de agosto de 2024

PT de Campos dos Goytacazes, o partido que virou suco - Douglas Barreto da Mata

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PT de Campos dos Goytacazes, o partido que virou suco

Douglas Barreto da Mata** 

Um breve histórico sobre o Partido dos Trabalhadores, que nasce como uma junção de setores de movimentos políticos que resistiram à ditadura cívico-militar com outros setores mais recentes, no fim da década de 70, início dos anos 80.

 Uma base eclesial, que tinha como orientação a Teoria da Libertação, egressos da resistência armada e exilados que retornavam, integrantes do movimento estudantil, que ressurgia, intelectuais, artistas, e claro, o movimento operário do ABC de São Paulo, que era quase hegemônico no partido (e de certa forma, ainda é, senão como movimento operário, mas pelo domínio paulista).

 Essa mistura pariu várias tendências, que davam um aspecto de cacofonia partidária, que não raro era considerado um ambiente impossível de se fazer política, dada a tradição do caciquismo político nacional.

 Não foi esse o problema do PT, nem no Brasil, nem em Campos dos Goytacazes.

 Na planície goytacá, o partido nasce da iniciativa de servidores públicos (como em boa parte das capitais, exceto SP, ABC paulista e outras regiões industriais), setores da Igreja Católica (como resposta ao enclave ultra tradicionalista local), e algumas lideranças rurais, já que a dinâmica econômica campista não permitia a existência de um movimento operário forte.

 A atividade industrial por aqui sempre foi ligada à agroindústria, no ramo de fabricação e manutenção de insumos para as plantas das usinas, ou para a manutenção de bens de capital, usados na lavoura (material rodante, caminhões, etc).

 Foi assim que o PT de Campos surge, bem no meio do início da transição econômica da economia agroindustrial para o extrativismo de hidrocarbonetos.

 Em 1980, 1981 ainda não se falava de petróleo ou de royalties, mas já eram ouvidos os primeiros ruídos da fratura das oligarquias rurais.

 Data desta época a estranha simbiose entre o PT  comum fenômeno da comunicação de massas local, que usava o rádio, então a plataforma que atingia os mais pobres da cidade e, principalmente, os alcançava onde a TV não ia, no interior.

 Anthony Garotinho é um dos fundadores do PT, e olhando hoje a situação do partido na cidade, isso explica muita coisa.

 Desde então, a vida partidária do PT local se resume a amar odiar ou a odiar amar o ex-deputado estadual, ex-deputado federal, ex-prefeito e ex-governador, e duas vezes secretário estadual, uma vez de agricultura, com Brizola, e depois, de segurança, com sua esposa como governadora.

 Mas por que o PT ama odiar a família Garotinho?

 Em 1988, o PT racha, sendo que uma parte sai para a campanha do então candidato a prefeito, Garotinho, que concorria contra o cambaleante Zezé Barbosa (avô de Rafael Diniz), e a outra parte defende e leva adiante um candidato, Luiz Antônio Magalhães.

 Daquele momento até hoje, reduzindo um pouco as coisas, é possível afirmar que o PT se uniu e se separou do clã Garotinho quase sempre sem conquistar nada, nem na entrada, nem na saída.

 Isso se estende aos aliados da família que se transformaram em opositores do clã.

 Ou seja, ainda que buscando alternativa, esse deslocamento sempre se deu com pouco acúmulo, ou como resultado de arranjos “vindos de cima”, em sua maioria, para submeter o interior e a capital do Rio de Janeiro às demandas de Lula e do PT/SP.

 O PT esteve no governo Arnaldo Vianna, esteve junto com Garotinho no seu primeiro governo estadual, até o rompimento, esteve com Carlos Alberto Campista (dissidente do grupo dos Garotinhos), esteve com o desastre Alexandre Mocaiber, e por último, com a catástrofe Rafael Diniz.

 Sempre a reboque, sempre na hora errada, pelos motivos errados, ou pior, sem qualquer motivo que valesse à pena.

 Há episódios de bons resultados eleitorais, como os irmãos Rangel (Antônio Carlos e Zé Maria), e Makhoul Moussalem.

 Mais uma vez, estes projetos pessoais nunca repercutiram na vida do partido, ou se repercutiram, apenas para dar mais dimensão aos personagens, que se encolheram em seus projetos personalíssimos.

 O partido que vira suco.

 Toda essa trajetória e nosso vínculo afetivo com o partido nos levaram ao exercício de tecer algumas análises, todas, sem exceção, publicadas no Blog do Pedlowski.

 Em junho de 2024 fizemos uma análise mais ampla:

https://blogdopedlowski.com/2024/06/20/o-pt-e-sua-singularidade/

 Depois passamos ao escrutínio na cena campista.

 O processo de amadurecimento da campanha eleitoral petista, desse ano de 2024, nos chamou a atenção, já que a conjuntura nos mostrava pouco espaço de manobra para o partido, soterrado por um avanço do conservadorismo, que se não é inédito por essas plagas, assumiu contornos mais agudos desde 2018.

 Talvez a cidade esteja no mesmo nível de ânimo conservador de sempre, mas o ruído produzido por setores mais extremados dão a impressão de um aumento da direita.

 Esta é a primeira noção que passa despercebida ao PT de Campos dos Goytacazes, talvez seduzido, mais uma vez, por acenos e atalhos patrocinados por forças políticas antagônicas aos Garotinhos.

 Encaixotado na disputa entre os Bacellar e os Garotinhos (como já aconteceu com cada um dos clãs que antagonizam os Garotinhos), o PT foi levado a promover um suicídio político-eleitoral, e aguardou uma candidata deputada estadual, que estava impedida, e que agia por ordem do clã Bacellar.

 A ideia era usar o partido como ponta de lança contra os Garotinhos, neste caso personificados no Wladimir Garotinho, para facilitar o caminho da extremista de direita, a delegada Madeleine.

 Falamos disso por aqui:


https://blogdopedlowski.com/2024/07/16/por-onde-anda-wally/

 Sem a candidata deputada, sem os votos dela, sem sequer sua presença, Jefferson Manhães, ex-reitor do IFF, neto do José Alves de Azevedo (que foi prefeito do PTB, e perdeu o cargo para um golpe de Zezé Barbosa, aliado dos militares), o PT de Campos ficou pendurado na brocha.

 Porém, como se tudo isso não fosse suficiente, o PT local insiste nesse papel secundário, de rabo de elefante, no lugar de ser cabeça de mosquito, como sempre falo.

 O caso do IDEB foi um clássico, onde Jefferson se aliou à extrema-direita para passar um vexame digno de Kim Kataguiri, ou de Carla Zambeli.

 Tratamos disso aqui:

 

https://blogdopedlowski.com/2024/08/18/o-ideb-separa-a-california-da-louisiana-mas-aproxima-o-pt-da-extrema-direita-em-campos/

  

Bem como antes falamos das possibilidades do PT em Campos:

 

https://blogdopedlowski.com/2024/08/12/o-pt-de-campos-e-suas-possibilidades-em-2024/

 Como se pode ver, há uma anacronismo tal nas ações do partido, que nem precisamos dar um aspecto cronológico nos textos.

 É como se fosse uma burrice atemporal, quase anti histórica mesmo, que nos leva de volta à questão:

 Por que o PT de Campos ama odiar os Garotinhos, e orienta toda sua trajetória a partir dele como referência, ao contrário do que deveria fazer, já que o PT de Campos diz ser a alternativa a esse modelo dos Garotinhos?

 Historicamente incapaz de adentrar no campo popular campista, segregado no eleitorado de classe média, cujo caráter tem sido mais sensível, ultimamente, às falas da extrema-direita, o PT de Campos ficou sem lugar, como resultado de um processo que não é recente.

 Em verdade, a nível nacional instalou-se certa esquizofrenia no PT quando a pauta “moralista” anticorrupção foi subtraída do partido (que a usava com maestria no fim dos anos 80 até o início dos anos 2000).

 Como teve que governar e fazer alianças, o partido afastou as bases sindicais, movimentos populares do campo e da cidade, e optou por dar ênfase ao institucionalismo e aos reclames da governabilidade, que como um círculo vicioso, ou um saco sem fundo, exigiu cada vez mais concessões, que por sua vez enfraquecia a base popular de mobilização, e cada vez mais fraco, o PT precisa ceder mais, e  por aí foi.

 Uma prova:

 Dilma foi golpeada, Lula preso, sem resistência.

 Nada.

 Em Campos dos Goytacazes esse problema se deu nos moldes das especificidades locais.

 Durante um tempo, os apelos moralistas do PT mantiveram uma parte do eleitorado classe média conservador e anti garotista.

 Com o advento da devassa do lawfare recente, que foi iniciado em 2006 (mensalão), a legenda desidratou.

 Porém, ao invés de optar por demarcar um campo político que afastasse a extrema-direita e seu discurso predileto (moralista), o PT escolheu disputar esse campo com os extremistas, o que parece-nos que vai levar o partido a ser reduzido ainda mais.

 Assim, ao invés de ter a coragem de falar o que tem que ser dito, como rico é que deve pagar imposto, desenvolvimento econômico desigual não nos serve, reforma agrária é urgente, etc, o PT de Campos tenta seguir o caminho da suavização envergonhada, pálida, brigando com IDEB, acendendo a mais horrorosa demonização e criminalização da pobreza e de populações de rua, fazendo coro às histerias da classe média.

 Bem, como não há espaço vazio em política, o PT corre o risco de contribuir para o isolamento do prefeito atual, ou pior, na sua reaproximação com setores mais radicais de direita.

 Não devemos cair na palermice de imaginar que a presença de Flávio Bolsonaro seja um sinal de que Wladimir Garotinho pendeu para aquele espectro da política.

 Só os tolos e os petistas, do tipo “Sou PT, mas voto Feijó”  defendem uma asneira dessas.

 Observar com honestidade o cenário estadual mostra que Wladimir atraiu Flávio, e interditou uma aliança com as facções mais exaltadas aqui no interior, e de certa forma, esse movimento se reflete no afastamento de uma parte dos Bolsonaros de Cláudio Castro e Cia, inclusive porque Carlos Bolsonaro vai disputar vaga para o senado, em detrimento do governador, ou de quem ele indicar.

 A percepção desse racha, com a presença do senador filho do ex-presidente, dão uma demonstração do faro fino do prefeito campista em aproveitar brechas e costurar alianças de todos os lados, fazendo interlocução simultânea com todas as matizes ideológicas.

 Sem um programa, e pior, sem interesse em fazer a diferença entre a extrema-direita representada na delegada e seus aliados do Governo do Estado e o atual prefeito, que ele mesmo reivindica um “centro” político que, se não existe, ao menos o torna mais ameno ao debate, o PT, mais uma vez, renuncia àqueles que seriam bons motivos para conversar com um “centro” (o que, aliás, é o que Lula faz todo o tempo), e embarca na canoa da extrema-direita, reproduzindo conceitos caros à ela, como eco.

 Por fim, o PT de Campos abre mão de renovar seu discurso de esquerda, com o qual poderia sentar à mesa e disputar espaço onde é possível disputar.

 Espremido pelas contingências e por sua própria inabilidade, deixando que a coordenação de campanha afunde o porvir partidário, eis que o PT de Campos virou suco.

* Disponível em: https://brasiliarios.com/images/estreladoPT1.jpg, acesso em 22 de agosto de 2024.

** Douglas Barreto da Mata, inspetor de polícia desde junho de 2003, com passagens por delegacias de São Gonçalo, Maricá, Rio das Ostras, Macaé e Campos dos Goytacazes. Formado em eletrotécnica pela então Escola Técnica Federal de Campos, atual IFF. Autodidata, marxista convicto e fã de Led Zeppelin, Chico Science, Nação Zumbi, e Mundo Livre S/A. Militante do PT desde 1986, onde integrou o diretório municipal de Campos dos Goytacazes e o diretório regional do RJ. Participou dos governos Arnaldo Vianna, na aliança PT/Garotinho em 1999/2000, na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima e do governo Benedita da Silva, como chefe de gabinete da FENORTE, em 2001/2002. Editor do blog Planície Lamacenta.

domingo, 11 de agosto de 2024

"Lançamento do livro “Re-trabalhando as classes no diálogo Norte-Sul"


Lançamento do livro “Re-trabalhando as classes no diálogo Norte-Sul: trabalho e desigualdades no capitalismo pós-covid”, organizado por Elísio Estanque, Agnaldo de  Sousa Barbosa e Fabrício Maciel (Editora Unesp).

Exposição de Fabrício Maciel (COC/UFF/PPGSP/UENF)

Mediação de George Coutinho (COC/UFF)

Local: Auditório da UFF-Campos, R. José do Patrocínio 71. Bloco C, Auditório.

Data: 13/08/2024, 18 horas.


 

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

A eleição venezuelana de 2024 - Luis Felipe Miguel

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A eleição venezuelana de 2024**

Luis Felipe Miguel***

Somente os muito crédulos aceitam que as eleições na Venezuela foram limpas. A questão não é a discrepância com uma apuração privada paralela, um argumento obviamente sem pé nem cabeça e que aparece nas narrativas dos defensores de Maduro como maneira de desqualificar a crítica.

Vamos olhar para os percentuais quase redondos dos candidatos, implausíveis. Ou para o presidente venezuelano anunciando precocemente sua vitória, com percentuais exatos, faltando ainda um quinto das urnas a serem totalizadas. Ou para a ausência de apresentação das atas. Ou para o veto a observadores externos, quando seria fundamental para o regime garantir uma aparência de total lisura no processo.

Sem falar nas sucessivas investidas contra a oposição e no alinhamento quase ostensivo da justiça eleitoral ao governo.

Breno Altman, na Folha de ontem, disse que “o sistema eleitoral da Venezuela já foi elogiado por Jimmy Carter como um dos mais sólidos do mundo”. Esqueceu de dizer que a declaração foi feita em 2012. E que o Centro Carter, criado pelo ex-presidente estadunidense e especializado em acompanhamento de eleições, afirmou que a eleição de agora “não se adequou a parâmetros e padrões internacionais de integridade eleitoral e não pode ser considerada democrática”.

O fato de que a oposição as Maduro é hegemonizada por títeres do imperialismo estadunidense não muda essa realidade: até onde vista alcança, é muito mais provável que o pleito tenha sido fraudado.

Nada disso justifica, é claro, que uma potência estrangeira – os Estados Unidos – proclame que outro candidato foi o vencedor.

Não há como “reconhecer” uma vitória que não foi proclamada por nenhuma instituição oficial. O que os Estados Unidos e seus aliados tentam fazer, ao proclamar Edmundo González como vitorioso, é invalidar a soberania venezuelana e abrir caminho para um golpe.

É uma reedição da palhaçada com Juan Guaidó, proclamado “presidente” da Venezuela em 2019 por Donald Trump.

A posição oficial do Brasil está correta. Trata-se de exigir do governo venezuelano que apresente as atas e estabelecer um caminho de negociação para encontrar saídas para a crise – e para a construção de uma Venezuela soberana e democrática.

Não é o que querem os Estados Unidos. Nem, de fato, os defensores incondicionais de Maduro.

Vale a pena ler a entrevista do embaixador Benoni Belli, representante do Brasil na OEA, à Folha de S. Paulo.

Com o tato necessário, ele põe o dedo na ferida, explicando porque a OEA não foi capaz de aprovar uma resolução sobre a Venezuela (o texto apresentado pelos Estados Unidos foi rejeitado):

“Houve quem tentou criar uma falsa dicotomia entre defensores e detratores da democracia. Esse tipo de narrativa pode servir aos propósitos de ganhar pontos na política doméstica de alguns países, mas não se coaduna com a diplomacia multilateral, que exige negociação e busca de caminhos comuns”.

É preciso simultaneamente pressionar e respeitar o governo venezuelano.

A direção do PT lançou uma nota equivocada e Lula errou na declaração sobre a “normalidade” da situação. Mas a posição oficial do Brasil, expressa pelo Itamarati, pela representação na OEA e pelo comunicado conjunto com Colômbia e México, é correta.

A mesma imprensa que condena o governo por qualquer declaração mais enfática contra Israel quer hostilidade aberta contra a Venezuela – como se uma suspeita de fraude eleitoral fosse mais grave que um genocídio e como se não tivéssemos que ser cautelosos nas relações com um país vizinho. Mas é só vontade de ficar a serviço do imperialismo.

* Disponível em: https://chappatte.com/en/images/a-very-close-venezuelan-election, acesso em 05 de agosto de 2024.

** Publicado originalmente no perfil de Facebook do autor em 05 de agosto de 2024: https://www.facebook.com/luisfelipemiguel.unb  

*** Professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). Está lançando este ano, pela editora Boitempo, o seu "Marxismo e política: modos de usar".