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PT de
Campos dos Goytacazes, o partido que virou suco
Douglas Barreto da Mata**
Um breve histórico sobre o Partido dos Trabalhadores,
que nasce como uma junção de setores de movimentos políticos que resistiram à
ditadura cívico-militar com outros setores mais recentes, no fim da década de
70, início dos anos 80.
Uma base eclesial, que tinha como orientação a Teoria
da Libertação, egressos da resistência armada e exilados que retornavam,
integrantes do movimento estudantil, que ressurgia, intelectuais, artistas, e
claro, o movimento operário do ABC de São Paulo, que era quase hegemônico no
partido (e de certa forma, ainda é, senão como movimento operário, mas pelo
domínio paulista).
Essa mistura pariu várias tendências, que davam um
aspecto de cacofonia partidária, que não raro era considerado um ambiente
impossível de se fazer política, dada a tradição do caciquismo político
nacional.
Não foi esse o problema do PT, nem no Brasil, nem em
Campos dos Goytacazes.
Na planície goytacá, o partido nasce da iniciativa de
servidores públicos (como em boa parte das capitais, exceto SP, ABC paulista e
outras regiões industriais), setores da Igreja Católica (como resposta ao
enclave ultra tradicionalista local), e algumas lideranças rurais, já que a
dinâmica econômica campista não permitia a existência de um movimento operário
forte.
A atividade industrial por aqui sempre foi ligada à
agroindústria, no ramo de fabricação e manutenção de insumos para as plantas
das usinas, ou para a manutenção de bens de capital, usados na lavoura
(material rodante, caminhões, etc).
Foi assim que o PT de Campos surge, bem no meio do
início da transição econômica da economia agroindustrial para o extrativismo de
hidrocarbonetos.
Em 1980, 1981 ainda não se falava de petróleo ou de
royalties, mas já eram ouvidos os primeiros ruídos da fratura das oligarquias
rurais.
Data desta época a estranha simbiose entre o PT comum fenômeno da comunicação de massas
local, que usava o rádio, então a plataforma que atingia os mais pobres da
cidade e, principalmente, os alcançava onde a TV não ia, no interior.
Anthony Garotinho é um dos fundadores do PT, e olhando
hoje a situação do partido na cidade, isso explica muita coisa.
Desde então, a vida partidária do PT local se resume a
amar odiar ou a odiar amar o ex-deputado estadual, ex-deputado federal,
ex-prefeito e ex-governador, e duas vezes secretário estadual, uma vez de
agricultura, com Brizola, e depois, de segurança, com sua esposa como
governadora.
Mas por que o PT ama odiar a família Garotinho?
Em 1988, o PT racha, sendo que uma parte sai para a
campanha do então candidato a prefeito, Garotinho, que concorria contra o
cambaleante Zezé Barbosa (avô de Rafael Diniz), e a outra parte defende e leva
adiante um candidato, Luiz Antônio Magalhães.
Daquele momento até hoje, reduzindo um pouco as
coisas, é possível afirmar que o PT se uniu e se separou do clã Garotinho quase
sempre sem conquistar nada, nem na entrada, nem na saída.
Isso se estende aos aliados da família que se
transformaram em opositores do clã.
Ou seja, ainda que buscando alternativa, esse
deslocamento sempre se deu com pouco acúmulo, ou como resultado de arranjos
“vindos de cima”, em sua maioria, para submeter o interior e a capital do Rio
de Janeiro às demandas de Lula e do PT/SP.
O PT esteve no governo Arnaldo Vianna, esteve junto
com Garotinho no seu primeiro governo estadual, até o rompimento, esteve com
Carlos Alberto Campista (dissidente do grupo dos Garotinhos), esteve com o
desastre Alexandre Mocaiber, e por último, com a catástrofe Rafael Diniz.
Sempre a reboque, sempre na hora errada, pelos motivos
errados, ou pior, sem qualquer motivo que valesse à pena.
Há episódios de bons resultados eleitorais, como os
irmãos Rangel (Antônio Carlos e Zé Maria), e Makhoul Moussalem.
Mais uma vez, estes projetos pessoais nunca
repercutiram na vida do partido, ou se repercutiram, apenas para dar mais
dimensão aos personagens, que se encolheram em seus projetos personalíssimos.
O partido
que vira suco.
Toda essa trajetória e nosso vínculo afetivo com o
partido nos levaram ao exercício de tecer algumas análises, todas, sem exceção,
publicadas no Blog do Pedlowski.
Em junho de 2024 fizemos uma análise mais ampla:
https://blogdopedlowski.com/2024/06/20/o-pt-e-sua-singularidade/
Depois passamos ao escrutínio na cena campista.
O processo de amadurecimento da campanha eleitoral
petista, desse ano de 2024, nos chamou a atenção, já que a conjuntura nos
mostrava pouco espaço de manobra para o partido, soterrado por um avanço do
conservadorismo, que se não é inédito por essas plagas, assumiu contornos mais
agudos desde 2018.
Talvez a cidade esteja no mesmo nível de ânimo
conservador de sempre, mas o ruído produzido por setores mais extremados dão a
impressão de um aumento da direita.
Esta é a primeira noção que passa despercebida ao PT
de Campos dos Goytacazes, talvez seduzido, mais uma vez, por acenos e atalhos
patrocinados por forças políticas antagônicas aos Garotinhos.
Encaixotado na disputa entre os Bacellar e os
Garotinhos (como já aconteceu com cada um dos clãs que antagonizam os
Garotinhos), o PT foi levado a promover um suicídio político-eleitoral, e
aguardou uma candidata deputada estadual, que estava impedida, e que agia por
ordem do clã Bacellar.
A ideia era usar o partido como ponta de lança contra
os Garotinhos, neste caso personificados no Wladimir Garotinho, para facilitar
o caminho da extremista de direita, a delegada Madeleine.
Falamos disso por aqui:
https://blogdopedlowski.com/2024/07/16/por-onde-anda-wally/
Sem a candidata deputada, sem os votos dela, sem
sequer sua presença, Jefferson Manhães, ex-reitor do IFF, neto do José Alves de
Azevedo (que foi prefeito do PTB, e perdeu o cargo para um golpe de Zezé
Barbosa, aliado dos militares), o PT de Campos ficou pendurado na brocha.
Porém, como se tudo isso não fosse suficiente, o PT
local insiste nesse papel secundário, de rabo de elefante, no lugar de ser
cabeça de mosquito, como sempre falo.
O caso do IDEB foi um clássico, onde Jefferson se
aliou à extrema-direita para passar um vexame digno de Kim Kataguiri, ou de
Carla Zambeli.
Tratamos disso aqui:
https://blogdopedlowski.com/2024/08/18/o-ideb-separa-a-california-da-louisiana-mas-aproxima-o-pt-da-extrema-direita-em-campos/
Bem como antes falamos das possibilidades do PT em
Campos:
https://blogdopedlowski.com/2024/08/12/o-pt-de-campos-e-suas-possibilidades-em-2024/
Como se pode ver, há uma anacronismo tal nas ações do
partido, que nem precisamos dar um aspecto cronológico nos textos.
É como se fosse uma burrice atemporal, quase anti
histórica mesmo, que nos leva de volta à questão:
Por que o PT de Campos ama odiar os Garotinhos, e
orienta toda sua trajetória a partir dele como referência, ao contrário do que
deveria fazer, já que o PT de Campos diz ser a alternativa a esse modelo dos
Garotinhos?
Historicamente incapaz de adentrar no campo popular
campista, segregado no eleitorado de classe média, cujo caráter tem sido mais
sensível, ultimamente, às falas da extrema-direita, o PT de Campos ficou sem
lugar, como resultado de um processo que não é recente.
Em verdade, a nível nacional instalou-se certa
esquizofrenia no PT quando a pauta “moralista” anticorrupção foi subtraída do
partido (que a usava com maestria no fim dos anos 80 até o início dos anos
2000).
Como teve que governar e fazer alianças, o partido
afastou as bases sindicais, movimentos populares do campo e da cidade, e optou
por dar ênfase ao institucionalismo e aos reclames da governabilidade, que como
um círculo vicioso, ou um saco sem fundo, exigiu cada vez mais concessões, que
por sua vez enfraquecia a base popular de mobilização, e cada vez mais fraco, o
PT precisa ceder mais, e por aí foi.
Uma prova:
Dilma foi golpeada, Lula preso, sem resistência.
Nada.
Em Campos dos Goytacazes esse problema se deu nos
moldes das especificidades locais.
Durante um tempo, os apelos moralistas do PT
mantiveram uma parte do eleitorado classe média conservador e anti garotista.
Com o advento da devassa do lawfare recente, que foi
iniciado em 2006 (mensalão), a legenda desidratou.
Porém, ao invés de optar por demarcar um campo
político que afastasse a extrema-direita e seu discurso predileto (moralista),
o PT escolheu disputar esse campo com os extremistas, o que parece-nos que vai
levar o partido a ser reduzido ainda mais.
Assim, ao invés de ter a coragem de falar o que tem
que ser dito, como rico é que deve pagar imposto, desenvolvimento econômico
desigual não nos serve, reforma agrária é urgente, etc, o PT de Campos tenta
seguir o caminho da suavização envergonhada, pálida, brigando com IDEB,
acendendo a mais horrorosa demonização e criminalização da pobreza e de
populações de rua, fazendo coro às histerias da classe média.
Bem, como não há espaço vazio em política, o PT corre
o risco de contribuir para o isolamento do prefeito atual, ou pior, na sua
reaproximação com setores mais radicais de direita.
Não devemos cair na palermice de imaginar que a
presença de Flávio Bolsonaro seja um sinal de que Wladimir Garotinho pendeu
para aquele espectro da política.
Só os tolos e os petistas, do tipo “Sou PT, mas voto
Feijó” defendem uma asneira dessas.
Observar com honestidade o cenário estadual mostra que
Wladimir atraiu Flávio, e interditou uma aliança com as facções mais exaltadas
aqui no interior, e de certa forma, esse movimento se reflete no afastamento de
uma parte dos Bolsonaros de Cláudio Castro e Cia, inclusive porque Carlos
Bolsonaro vai disputar vaga para o senado, em detrimento do governador, ou de
quem ele indicar.
A percepção desse racha, com a presença do senador
filho do ex-presidente, dão uma demonstração do faro fino do prefeito campista
em aproveitar brechas e costurar alianças de todos os lados, fazendo
interlocução simultânea com todas as matizes ideológicas.
Sem um programa, e pior, sem interesse em fazer a
diferença entre a extrema-direita representada na delegada e seus aliados do
Governo do Estado e o atual prefeito, que ele mesmo reivindica um “centro”
político que, se não existe, ao menos o torna mais ameno ao debate, o PT, mais
uma vez, renuncia àqueles que seriam bons motivos para conversar com um
“centro” (o que, aliás, é o que Lula faz todo o tempo), e embarca na canoa da
extrema-direita, reproduzindo conceitos caros à ela, como eco.
Por fim, o PT de Campos abre mão de renovar seu
discurso de esquerda, com o qual poderia sentar à mesa e disputar espaço onde é
possível disputar.
Espremido pelas contingências e por sua própria
inabilidade, deixando que a coordenação de campanha afunde o porvir partidário,
eis que o PT de Campos virou suco.
* Disponível em: https://brasiliarios.com/images/estreladoPT1.jpg, acesso em 22 de agosto de 2024.
** Douglas Barreto da Mata, inspetor de polícia desde junho de 2003, com passagens por delegacias de São Gonçalo, Maricá, Rio das Ostras, Macaé e Campos dos Goytacazes. Formado em eletrotécnica pela então Escola Técnica Federal de Campos, atual IFF. Autodidata, marxista convicto e fã de Led Zeppelin, Chico Science, Nação Zumbi, e Mundo Livre S/A. Militante do PT desde 1986, onde integrou o diretório municipal de Campos dos Goytacazes e o diretório regional do RJ. Participou dos governos Arnaldo Vianna, na aliança PT/Garotinho em 1999/2000, na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima e do governo Benedita da Silva, como chefe de gabinete da FENORTE, em 2001/2002. Editor do blog Planície Lamacenta.
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