Parque Alberto Sampaio e os desafios da revitalização*
* Publicado originalmente em Jornal
on-line Terceira Via.
Inaugurado em 1988 pelo então prefeito Zezé
Barbosa, o Parque Alberto Sampaio está em decadência há pelo menos 20 anos.
Sucessivos governos negligenciaram o local que já foi importante espaço de
lazer e palco de grandes eventos culturais. No dia 28 de junho, o prefeito
Wladimir Garotinho anunciou Projeto de Lei encaminhado à Câmara Municipal para
transformar o equipamento público em Praça da Bíblia. Caberá à Associação
Evangélica recuperar e zelar pelo parque. Intelectuais, artistas, arquitetos e
urbanistas reagiram à decisão. O local abandonado em plena área central voltou
a despertar interesse e discussões sobre sua ocupação.
Durante evento no Alberto Sampaio, Wladimir fez
citações bíblicas antes de assinar convênio do programa “Amigo da Cidade”, com
a AEC. “Nós devemos orar por todas as autoridades. Gostando da autoridade ou
não. Campos vive um momento difícil. A gente disse que era possível. E só é
possível se a igreja estiver junto, com Deus à frente”. Em seguida, anunciou
que passará para a Associação Evangélica de Campos a responsabilidade pelo
espaço público, onde será criada a Praça da Bíblia. “A AEC representa todas as
denominações. Não estou falando de uma igreja, mas de um povo cristão desta
cidade, que possa continuar em oração”, destacou o prefeito.
A iniciativa do prefeito em criar uma Praça da
Bíblia recebeu apoio, mas também críticas e ponderações por parte de artistas e
acadêmicos. Uma das preocupações é se o espaço público, supostamente,
privilegiar seguidores da fé evangélica.
A Associação Evangélica de Campos existe há 32 anos
e reúne cerca de 120 igrejas de diversas denominações. É presidida pelo
apóstolo Renan Siqueira, ex-candidato a vereador. Ele afirma que a instituição
não tem fins políticos, apenas sociais e evangelísticos. “Promovemos
ressocialização de dependentes químicos, ex-presidiários, moradores em situação
de rua. Fazemos parte do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente. A AEC
vai reformar e cuidar da manutenção da praça, realizar trabalhos sociais,
eventos religiosos e culturais”, planeja.
Nos anos 1980, em frente à antiga Estação
Ferroviária, foi criada uma Praça da Bíblia. Esta outra no Alberto Sampaio
gerou polêmica. Por meio de nota, o governo esclareceu que a praça será ao lado
do Anfiteatro Antônio Roberto de Góis Cavalcanti, Kapi, e continuará disponível
para a população em geral, independente da escolha religiosa. “É uma praça
pública. O objetivo é revitalizar o parque. A administração municipal é laica e
o prefeito não discrimina, apoia ou tem predileção por qualquer denominação
religiosa. Festas religiosas tradicionais, como a de Santo Amaro, fazem parte
da cultura local e são apoiadas”.
Renan Siqueira afirma que não pretende se apropriar
da praça. “Nós evangélicos pregamos e vivemos o amor ao próximo. Teremos a
maior alegria em servir qualquer religião que almeje utilizar o espaço público.
Nosso maior desejo sempre foi ver aquele espaço sendo utilizado para o
bem-estar da população, um ambiente familiar, seguro; compartilhar o Evangelho
do nosso Senhor Jesus Cristo através de eventos cristãos, ação social e unir
pessoas”.
Política, religião e arte
Doutor em Teologia, Fabio Py é professor do
Programa de Sociologia Política da Uenf. Ele observa que nos últimos 10 anos
transformar antigos aparatos públicos em Praça da Bíblia tem se repetido pelo
Brasil.
“Faz parte de alianças dos governos com as grandes
igrejas evangélicas. A Associação Evangélica como instituição se fortalece.
Para mim, são as alianças políticas mais estridentes do bolsonarismo. Pode
haver um direcionamento religioso desse espaço público. O que se tinha antes
como debate cultural nessa praça, pode estar em risco de virar um espaço
evangelístico e apologético”, cogita.
O diretor teatral Fernando Rossi foi assistente do
espetáculo de inauguração do Parque Alberto Sampaio, “Arena Conta Zumbi”,
dirigido pelo já falecido Kapi. Por vários anos, Rossi montou e exibiu peças e
musicais no anfiteatro.
“Recebi com surpresa e perplexidade a notícia da
parceria entre a Prefeitura e AEC para transformar o Teatro de Arena no Parque
Alberto Sampaio em Praça Bíblica. Com a Lei nº 8.757 de 29 de junho de 2017 o
Teatro de Arena passou a ter o nome de Kapi. O espaço foi concebido para
atividades culturais para a população. É bom lembrar que o Estado é laico pela
Constituição”.
A diretora teatral Tânia Pessanha diz que quando o
parque foi construído, a classe artística se animou com o espaço. “Claro que
não basta a existência da estrutura básica. E se tivéssemos uma prefeitura com
interesse em desenvolver a cultura local, inúmeras atividades artísticas
poderiam e deveriam acontecer ali. Acho absurdo um espaço cultural ser
direcionado para um segmento religioso. A classe artística tem que ser ouvida”.
O poeta Artur Gomes destaca o Festival de Música da
Primavera no anfiteatro. Em 1989, o vencedor foi João Damásio com a música Mãe
África.
“Lá também foram realizados o Encontro Nacional de
Poesia em Voz Alta 1991 e 1992. O governo Zezé Barbosa, por incrível que
pareça, teve um momento auspicioso. No próprio governo Garotinho, nos dois anos
iniciais do seu primeiro mandato, esses espaços estiveram em evidência”,
compara.
A atriz Lúcia Talabi diz que o Alberto Sampaio foi
pensado e construído como espaço cultural.
“Ainda não recebeu a devida atenção por parte do
Poder Público. É situado em lugar estratégico. Repercutiu positivamente a Feira
dos Povos em 2017. Não precisamos de mais atividades confessionais, mas de bons
serviços em arte e a cultura”.
O dançarino e historiador José Fernando Rodrigues
lembra dos vários eventos de dança realizados no Teatro de Arena.
“Esses espaços abertos e equipamentos urbanos foram
literalmente abandonados. Cabe ao Poder Público recuperá-los. Acho saudável
parcerias com a iniciativa privada nesse aspecto. Uma arena pública é para
promover cultura. Caberá ao Conselho Municipal de Cultura fiscalizar esse
espaço”, cogita.
Passado, presente e futuro
O campista Alberto Sampaio foi referência mundial
em botânica, além de médico homeopata, geógrafo e sociólogo. Nascido em 1881,
aos 22 anos foi estudar no Rio de Janeiro. Ingressou em 1904 no Museu Nacional.
Por 36 anos defendeu causas de preservação ambiental. Morreu em 31 de dezembro
de 1946. Este resumo biográfico foi pesquisado por Genilson Soares, presidente
do Instituto Histórico e Geográfico de Campos.
“O espaço era conhecido como Jardim de Alah e só
passou a homenagear o ilustre campista em 1947. O Parque era muito arborizado.
Destaco a apresentação da Orquestra Sinfônica Brasileira em 3 de julho de 1961.
Essas parcerias com a iniciativa privada não podem passar por cima da história
e tradição. Tem que haver diálogo com a sociedade. Vivemos em uma democracia. A
República separou o Estado da Igreja, desde 7 de janeiro de 1890”, diz
Genilson.
O arquiteto e urbanista Ernani Alves considera o
abandono do Parque Alberto Sampaio lamentável.
“Ele se tornou um ponto comercial com camelódromo e
estacionamento sob o viaduto. Deveria ser feito um projeto de urbanização e
revitalização. A população de rua e falta de segurança preocupam. A ideia de
‘Central Park’ sempre foi a tônica. Era o pensamento dos criadores do projeto,
os arquitetos Claudio Valadares, Ocemir Boticelli e Francisco Leal, quando
venceram o concurso que originou o projeto. Seria um sonho termos um belo
parque sem grades e todo ajardinado na área central”, conclui.
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