Por que apoiar a “Ocupa Novo Horizonte”?*
* Publicado
originalmente no Blog
do Pedlowski.
Bruna Machel**
Estamos
acompanhando nas últimas semanas a ação judicial da Realiza Construtora contra
centenas de famílias sem-teto em Campos dos Goytacazes. A ação se deu em
função da ocupação realizada no dia 13 de Abril, quando mais de 200 famílias
adentraram o conjunto habitacional Novo Horizonte (Pq Aeroporto), oriundo do
programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). Segundo noticiado, essas casas estariam
finalizadas desde 2016 sem cumprir sua função social.
Na
ocasião da ocupação, tão logo tomaram ciência, advogados populares acionaram a
Defensoria Pública Estadual, enquanto movimentos sociais passaram a prestar
apoio à ocupação. Nosso objetivo sempre foi impedir qualquer tipo de violação
aos direitos humanos durante o cumprimento da liminar de reintegração de posse,
como também defender, por princípio, o direito à moradia para todas as famílias
que de fato precisam.
A
partir da nossa presença na ocupação podemos estimar que são aproximadamente
mil pessoas vivendo todos esses dias com falta de água e energia elétrica, e
acesso muito restrito a alimentação, viabilizada graças à cozinha comunitária
que funciona com a solidariedade de apoiadores.
É
importante dizer que não se trata de pessoas que escolheram viver uma “aventura
inglória” em meio a pandemia e sob forte risco de violência policial. Ao
contrário, encontraram na luta um lugar político de esperança frente ao
contexto de tragédia social a que estão submetidos.
Porém,
nesta sociedade orientada pela cultura capitalista, o debate sobre a ocupação
logo ganharia um tom moralista com reiteradas tentativas de deslegitimação.
Acusações de “oportunismo” e “baderna” passaram a circular nas redes
sociais.
Não
demoraria muito para que algumas das famílias contempladas pelo programa MCMV
se somassem às vozes divergentes, realizando alguns pequenos protestos – embora
muitas outras tenham se incorporado à ocupação.
Diante
da polêmica sobre a questão da legitimidade, nos cabe uma reflexão
atenta. Notem, as famílias da “Ocupa Novo Horizonte” não possuem situação
social diferente das que foram sorteadas pelo MCMV, todas da faixa 1 com renda
familiar total de até 1.800,00 (menos de 1 salário mínimo e meio). Constitui,
nesse sentido, certa unidade social de trabalhadores pobres periféricos,
formada por uma maioria populacional negra. Todas em situação que se enquadram
pela Assistência Social como condição de pobreza.
O
que as divide objetivamente? A questão da segurança jurídica.
Um
povo dividido pela incompetência do Estado Capitalista
A
quem restou um pouco de bom-senso nesses tempos de obscurantismo, convido a
refletir sobre o papel do Estado (burguês) aqui. Há um sorteio que define quem
terá e quem não terá assegurado o direito à moradia, garantida nos marcos da
Constituição Federal de 1988. Pois bem. Então, na ausência de um projeto
público universal de moradia, coloca-se em seu lugar a força do “acaso”, onde
quem não é contemplado pela SORTE é excluído da possibilidade de morar
dignamente, ainda que esteja comprovadamente em situação de vulnerabilidade
social. Depois, como se não fosse humilhante o bastante, este sujeito social é
apontado como marginal, pois, afinal, por que haveria de organizar uma ocupação
e não aceitar a sarjeta? Sim, é o que chamamos de criminalização da pobreza.
A
dimensão do problema é gravíssima e afeta pelo menos 7,78 milhões de famílias
brasileiras. Uma massa de pessoas que vivem amontoadas em casas de parentes ou
pagam aluguel abrindo mão de pelo menos uma alimentação por dia, ou, quando no
extremo da dificuldade, param em abrigos para pessoas em situação de rua. São
relatos que podemos ouvir nas ruas da Ocupa Nova Horizonte ou em qualquer periferia
deste Brasil.
Por
isso afirmamos que as ocupações urbanas, sejam elas espontâneas ou organizadas
por movimentos de luta por moradia, são fundamentais para viabilizar uma saída
emergencial às situações extremas, além de denunciar a incompetência do Estado
e todo o modelo capitalista de sociedade. Em via de regra, por serem ações
radicalizadas de classe, são tratadas como inconvenientes a serem resolvidos
pela violência policial. Há poucos dias, por exemplo, 38 famílias foram
acordadas com tratores derrubando suas casas no Distrito Federal. A ação
extremamente truculenta colocou abaixo até mesmo uma escola comunitária que
atendia às crianças. E assim acontece sem qualquer constrangimento em todo o
território nacional.
Logo,
o Estado diante da Ocupa Novo Horizonte tende a operar a proteção
jurídico-policial a favor da propriedade privada, criminalizando, por sua vez,
a pobreza. Em poucos dias está previsto o despejo em Campos e estaremos ao lado
dessas famílias.
Em
resumo, podemos concluir que assinam juntos a “certidão de barbárie”, todos os
entes federativos da União que estão mais ou menos enfiados nessa tragédia.
Desde a omissão política da Prefeitura Municipal de Campos quando não oferece
aproximação, acolhimento e projeto que atenda a demanda concreta dessa multidão
de sem-tetos; Tanto do Governo Estadual que nada faz de efetivo pelo povo do
Rio de Janeiro; Até o Governo Federal que vem desmontando o programa MCMV,
suspendendo a construção de novas casas populares destinadas a pessoas pobres –
Faixa 1; E todas as outras instâncias públicas que atuam para fortalecer as
desigualdades sociais, perpassando evidentemente pelo papel estratégico do
Judiciário.
Já
aos bons deputados, juízes e gestores públicos que possuem alguma dimensão de
comprometimento com a classe trabalhadora pobre deste município, haverá espaço
para se somar a disputa institucional a favor do direito à moradia digna. A
hora é agora de comprovar quem é quem no tabuleiro político deste Estado. Daqui
da base seguiremos firmes na luta.
** Designer, Assessora de Comunicação Sindical e Presidente da Associação Resista Campos.
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