sábado, 14 de dezembro de 2024

Wladimir e a direita autoritária - George Gomes Coutinho

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Wladimir e a direita autoritária**

George Gomes Coutinho***

Já apontei que o prefeito Wladimir Garotinho, reeleito neste 2024 com a maior votação nominal da história da cidade, não poderia ser classificado como um “palhaço macabro”, termo utilizado por Caetano Veloso para designar a extrema-direita no Brasil e no mundo. E, de fato, seu diálogo com agentes dos dois lados do espectro político, sua abertura para implementar políticas públicas mirando a efetividade e não identitarismo ideológico, sua performance pública em diversas ocasiões ignorando discursos de ódio a grupos políticos ou a setores da sociedade, tudo isso reitera: Wladimir não é um fascista. Contudo, há contradições que preciso apontar. E no período pós eleitoral o prefeito, enfim, optou por escorregar em cascas de banana que acendem sinal de alerta para quem milita no campo democrático. E, creio, cabe correção de rota enquanto há tempo.

O prefeito, quadro neste momento do PP, o Progressistas, ainda em campanha já havia exibido como sinal de prestígio tanto o apoio de Ciro Nogueira, este no mesmo partido de Wladimir, quanto o de Flávio Bolsonaro do PL. Aos mais ligeiros lembro que o PP tem ministério no Governo Lula. Então, a questão não é propriamente o PP ou o Centrão, instância política brasileira a qual nenhum presidente brasileiro pode abrir mão na atual configuração de nosso sistema. O problema são as companhias específicas que citei. Nogueira e Flávio não são nomes do campo democrático. Mesmo que Wladimir tenha, ao menos em um primeiro momento, se aproximado de ambos de forma acanhada e almejado apenas ampliar seu capital político, o gesto de proximidade já o tornou uma liderança semileal à democracia. A semilealdade democrática, descrita pelo cientista político Juan Linz em seu The Breakdown of Democratic Regimes, lançado em 1978, indica condescendência com lideranças de DNA autoritário. Ao invés de isolar, implementar um cordão sanitário, algo encontrado em lideranças democráticas mundo afora, a opção é por confraternizar com extremistas. Podemos intuir que os supracitados talvez ofertem benefícios que outros agentes ou grupos não ofertaram: portas que se abrem, contatos vantajosos com o primeiro escalão. Tudo isto podemos colocar na conta do cálculo racional frio e pragmático.

Porém a hipótese do mero cálculo anda constrangida lamentavelmente por ações do próprio Wladimir que parece querer arriscar o respeito adquirido dentro do campo democrático. Nunca é tarde para lembrar que parte de seus votos tem por origem os que viram na delegada Madeleine a representante da extrema-direita nas eleições municipais campistas. Sim, Wladimir atraiu votos tímidos ou entusiasmados do campo democrático. Por isso vamos por partes.

Recentemente uma das indiscretas postagens em rede social de Wladimir adulando o patriarca do clã Bolsonaro é motivo suficiente para questionarmos as convicções do prefeito boa praça. Todos os fatos ventilados alhures indicam Jair Bolsonaro como uma liderança francamente radioativa ao regime que deu os mandatos da carreira política de Wladimir. O passado e o presente de Jair Bolsonaro o fazem palatável apenas a assemelhados ideológicos, seja Donald Trump ou Viktor Orbán. Isso a despeito de sua popularidade doméstica. E não, aparecer na foto com um homem que instigou seus liderados com discursos de eliminação de adversários não é o mesmo que ser fotografado ao lado do Mickey em Orlando. Com tudo isso, por crimes contra o Estado de Direito, Wladimir pode ter sido registrado ao lado de um futuro criminoso condenado.

Ainda, o prefeito também achou por bem se meter na Guerra Cultural ao entrar na discussão de gênero e sexualidade nas escolas campistas a pretexto de se considerar “conservador”. O termo “conservador” vale para personagens importantes como Edmund Burke (1729-1797) ou Alexis de Tocqueville (1805-1859), filósofos da conservação política temerosos que eram de mudanças sociais e institucionais bruscas. O ponto é que jamais o conservadorismo destes flertou com o obscurantismo.

Falemos sobre a lei 9.531 sancionada por Wladimir e proposta na Câmara pelo vereador Anderson de Matos (Republicanos).

A discussão de gênero e sexualidade nas nossas escolas funciona analogamente como algo que ouvi há muitos anos em uma palestra proferida por um profissional da área de medicina que jamais consegui lembrar o nome: a escola é uma das maiores promotoras de saúde coletiva que podemos ter em nossa sociedade. Práticas, regras, conteúdos simples ensinados de maneira didática que impactam de maneira significativa cidadãos em toda uma vida. Sim, é na escola, em nossa sociedade, que muitos de nós ouvimos pela primeira vez, além de diversos conteúdos abstratos e formais, sobre saúde reprodutiva, tolerância, práticas esportivas como parte do desenvolvimento humano, como se alimentar bem, etc.. Escola é espaço de formação com força civilizatória. Jamais perfeita, dado que é instituição humana. Mas a contribuição da escola enquanto promotora de qualidade de vida é simplesmente inestimável.

Nestes termos, ter a escola como espaço de promoção ao respeito da diversidade sexual realmente existente e lugar de vivência e ensino da igualdade civil, política e social de gênero deveria contar com o apoio da sociedade e da classe política. Ora, é fato desconhecido a defasagem salarial de mulheres no mercado de trabalho? Igualmente é ficcional que vivemos em uma sociedade que pratica diferentes tipos de violência onde o critério para a escolha de alvos é a orientação sexual? Ainda, que na própria escola o bullying e todo tipo de linchamento tem o potencial de produzir diferentes formas de sofrimento como o cutting e, no limite, o suicídio?

A lei 9.531 sancionada por Wladimir coloca sobre os ombros dos pais a decisão de sonegar ou não os conteúdos de gênero e diversidade sexual a crianças e adolescentes. Se trata disso. É um empoderamento duvidoso das famílias em uma cruzada contra a “ideologia de gênero” (sic), um espantalho criado que segue inexistente na boca de qualquer pessoa que se interesse a estudar o assunto. Torço que o poder municipal reconsidere sua decisão e permita que nossas crianças tenham acesso respeitoso e de qualidade a estes conteúdos.  E, de forma análoga, na torcida que o prefeito se reposicione em algumas ocasiões saindo de condição de democrata semileal.

* Disponível em: https://diplomatique.org.br/o-brasil-e-o-avanco-da-extrema-direita/, acesso em 14 de dezembro de 2024.

** Texto publicado na página 04 do jornal Folha da Manhã em 14 de dezembro de 2024.

*** Cientista político, sociólogo e professor no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Os toques da morte - Carlos Abraão Moura Valpassos

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Os toques da morte 


Carlos Abraão Moura Valpassos


A morte nos toca de diferentes maneiras. Há tempos atrás, um amigo médico, clínico geral, disse que lidava diariamente com a morte, que fazia o que podia pra adiá-la para seus pacientes, mas que as derrotas eram frequentes e inevitáveis. Ele estava, portanto, acostumado a lidar com a morte.


Passei dias ruminando essa história e me indagando se eu seria demasiado sensível e se de fato poderia ser possível naturalizar a morte. Agora, faltando pouco menos de uma semana para o aniversário - contradição - de morte de minha mãe, volto a pensar nisso com frequência. 


Minha mãe entrou no hospital já sem chances, com uma respiração que me soava estranha, mas que para os médicos era um sinal claro de que aqueles eram os últimos momentos. "Gasping", explicou o médico. Ele foi além. "É difícil, eu sei o que você está passando, perdi meu pai há seis meses". Olhando pra trás, percebo que tive sorte: ele me tratou com a paciência e o cuidado de quem sabia o que eu estava passando, mesmo que nem eu soubesse naquele momento, se é que sei agora, um ano depois.


Os últimos dias de minha mãe me perseguem até hoje. A vontade que ela tinha de viver era impressionante, apesar de todo o sofrimento trazido pela doença. As minhas noites ainda são interrompidas por memórias e pela imagem dela deitada no caixão, em uma foto que nunca tirei, mas que queimou minha retina.


Nos primeiros meses, as pessoas tentavam me explicar a dureza do luto. Talvez o conselho mais válido tenha sido: "isso não vai passar, vai ser pra sempre, só vai diminuir a frequência".


Quando contei para meu ex-orientador, ele colocou em termos antropológicos aquilo que eu sentia: "é a perda radical". Sim, era a ruptura de um laço fundamental.


Remoendo memórias e dúvidas sobre as diferentes experiências de morte que temos em vida, recuperei a lembrança de um médico palestino. Em meio ao genocídio imposto pelos israelenses, ele estava imerso em experiências de morte. Certamente tinha experiências incontáveis e tudo pra lidar naturalmente com esse tipo de evento. Ele, todavia, enquanto trabalhava, descobriu que um dos corpos que transportava era o de sua mãe. Ali as coisas mudaram. A calma necessária ao profissional da medicina foi substituída pela dor e o desespero do filho que perdera sua mãe. A humanidade que nos une, a todos, se apresentou expressa na dor da perda radical.


Norbert Elias, em "A solidão dos moribundos", argumentou que a morte era um problema dos vivos. Estava certo quanto a isso, mas tenho minhas dúvidas sobre a parte da "solidão dos moribundos", uma vez que eles costumam tocar seus familiares e, mesmo que estejam encerrando individualmente suas jornadas, estão deixando marcas e projetando a ideia de finitude para que seja refletida, ou ignorada, pelos que ficam. Os moribundos, nesse sentido, nos lembram de nós mesmos, do nosso futuro, das dores que sentimos pelos nossos e que, talvez, alguém sentirá por nós. 


E depois disso tudo, acredito que a questão não é simplesmente a morte. Embora qualquer morte seja capaz de converter-se em experiência, a morte das pessoas próximas, obviamente, assume um tom diferente, com potencialidades próprias. Toda morte, nesse sentido, possui o potencial de ser marcante, mas nem toda ela será. Do mesmo modo, algumas mortes não poderão ser naturalizadas, por mais intimidade que se tenha com esse tipo de evento.


- Carlos Abraão Moura Valpassos

Professor de Teoria Antropológica da Universidade Federal Fluminense

Coordenador do Atelier de Etnografias e Narrativas Antropolíticas

Pesquisador do Inct-InEAC


* Os 108 Toris do Caminho da Purificação, Morro da Vargem, Ibiraçu-ES - Acervo pessoal de George Gomes Coutinho

domingo, 24 de novembro de 2024

Reflexões partilhadas sobre o PPG em Ciências Sociais – Adelia Miglievich

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Reflexões partilhadas sobre o PPG em Ciências Sociais


Adelia Miglievich**

Há prenúncios de boas correções no sistema de avaliação da pós-graduação no Brasil.

Como sempre deveria ter sido, é a MISSÃO do Programa de Pós-Graduação que há de ser avaliada a partir do próximo quadriênio:

1) Formamos mestres e doutores em Ciências Sociais competentes?

2) Entendemos Ciências Sociais como uma área interdisciplinar (ou formamos sociólogos, antropólogos e cientistas políticos, como fazem os Programas de Pós-Graduação desse modelo disciplinar)?

3) Qual a "diferença" positiva de nosso Programa de Pós-Graduação em face de dezenas de outros em Ciências Sociais no Brasil?

4) Se queremos ir além do mercado acadêmico para nossos alunos, a gente pode lhes dar base para o quê mais? Políticas públicas? Gestão não-governamental? Docência da Educação Básica? Sendo assim, nossa grade curricular está adequada?

5) Estamos efetivamente contribuindo com a graduação em CS? Em nossas aulas, orientações, PIBIC, PIBID, integração com a pós?

6) Nossos discentes estão se inserindo, ao longo do curso, na comunidade científica nacional?

7) Suas dissertações e teses estão sendo visibilizadas nos concursos de dissertações/teses?

8) Os resultados de suas pesquisas vêm sendo publicados?

9) Nosso Programa de Pós-Graduação, para além dos núcleos e grupos de pesquisa, tem atraído os pares no campo para estarem aqui conversando conosco?

10) Nossos docentes estão se prestigiando mutuamente e interagindo entre si nos bons trabalhos?

11) Nossos docentes estão colocando o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais em redes nacionais e internacionais exitosas?

12) Os professores têm conseguido aliar sua produção ao perfil do Programa de Pós-Graduação que queremos ser?

13) Nossos egressos estão no mercado fazendo a diferença positiva?

14) Suas teses e dissertações viraram publicações capazes de demonstrar que o investimento neles gerou produção científica para fortalecer o campo das Ciências Sociais?

15) Vamos entender que não são mais os pesquisadores que serão avaliados daqui para a frente, mas o Programa de Pós-Graduação em sua atuação como uma entidade?

16) A comunidade externa está usufruindo de nossa produção de conhecimento?

17) Temos conseguido dar espaço para nossos estudantes e egressos vestirem com orgulho a camisa do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais?

 

Acabará o tempo dos "cavalos de corrida" (algo próximo de um colega com 6 artigos por ano!). Pra quê?.

 Tá na hora de entendermos que o desenvolvimento da ciência no Brasil é um trabalho intergeracional e "mutirão" de milhares de mãos.

 Intergeracional implica: acolher e abrir portas para as novas gerações e novos sujeitos epistêmicos, conforme compreendo.

Mas ... essa não é a lógica do Capital. Portanto, há ethos antípodas em disputa: cooperação versus competição.

Não tenho falsas expectativas. Até porque a política científica está contida nas macropolíticas. Quais governos virão?

 Mas, qualquer coisa no futuro vai depender de uma certa nota que teremos que conquistar até março/25, ainda nos critérios velhos de 2019, aqueles produtivistas ...

E agora?

 Ass: uma trabalhadora intelectual.

* Red and White Domes, Paul Klee. Disponível em: https://www.chrisjoneswrites.co.uk/paul-klees-tunisia-trip/, acesso em 24 de nov. de 2024.

** Adelia Maria Miglievich Ribeiro é professora associada no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo, UFES. É autora, além de dezenas de artigos publicados no Brasil e no exterior, do livro "Darcy Ribeiro, Civilization and Nation: Social Theory from Latin America" publicado pela Routledge neste 2024.

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Eleições 2024, a questão democrática e Campos - George Coutinho

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Eleições 2024, a questão democrática e Campos **


George Gomes Coutinho***

 

O ano de 2024 foi aguardado com indisfarçável ansiedade por politólogos de todo mundo. De janeiro até o presente ocorreram inúmeras eleições em diferentes continentes e países, em níveis variados (eleições locais, regionais, nacionais, transnacionais) e tipos (plebiscitos, eleições majoritárias, proporcionais, por vezes tudo ao mesmo tempo).

De maneira geral o que une tantas eleições em diferentes pontos do globo terrestre é o diagnóstico dos riscos para a democracia representativa. Nosso século trouxe a ressurgência dos movimentos de extrema-direita dotados da capacidade de atrair as massas. Além da sedução, também se mostraram bons de voto e vitoriosos, derivando em desastres como o Brexit ou gestões homicidas, vide o caso brasileiro na pandemia que ajudou a produzir o número de 700 mil concidadãos mortos sem direito a luto.

O abalo das instituições se dá, dentre outros vetores, pela imoderação destes líderes e de seus liderados, todos dotados de discursos e práticas que ferem de morte um princípio basilar das sociedades democráticas: o pluralismo, o que envolve o acordo tácito coletivo pela preservação e respeito da diversidade realmente existente de nossas populações. O objetivo dos extremistas é produzir uma homogeneidade artificial, imposta pelo uso de diferentes tipos de violência, onde só é “povo” quem é igual aos seus próprios pares. Uma sociedade das supostas “maiorias”, como vociferou Bolsonaro em dada ocasião. Restaria nesta distopia da extrema-direita uma única forma de professar a fé, amar, se relacionar e imaginar o mundo, tudo isso temperado com um patriotismo fajuto que se prostra diante do primeiro tirano estrangeiro que seja objeto de libido dessa gente.

Portanto, me unindo a outros colegas de continentes diversos, interpreto que estas eleições de 2024 são moduladas pelo antagonismo campo democrático versus extrema-direita. E no campo democrático há, por óbvio, espaço para esquerda e direita, o que explica os diferentes movimentos de frente ampla alhures. O que uniria democratas dos dois lados do espectro político? A defesa das regras do jogo e dos princípios morais, valorativos e civilizatórios de uma sociedade democrática.

As eleições municipais brasileiras, que tem seu primeiro turno hoje, estão imersas, de maneira mais ou menos explícita, nesta disputa entre autoritários de direita e democratas de ambos os lados do espectro político. São eleições fundamentais para antevermos a correlação de forças que irá dar o tom das nossas eleições de 2026.

Indo direto para Campos, é curioso que neste pleito de 2024 parte da esquerda nativa tenha se fixado em outro par de oposição, o velho e conhecido garotismo ou anti-garotismo. É um vício interpretativo que já produziu a aliança de setores politicamente conservadores com quadros partidários do petismo, em um vale tudo contra o “Senhor das Moscas”, tudo temperado com contradições programáticas e ideológicas constrangedoras. Vale dizer que este é um risco genético dos movimentos anti-garotismo. Afinal, o garotismo é filho do embate justamente com as oligarquias que dominaram a cidade por décadas até caírem podres na esteira dos movimentos de redemocratização dos anos 1980. Parte do petismo local, ao eleger como grande e eterno alvo a família Garotinho, só poderia ser arrastado pelas forças gravitacionais mais tradicionais locais.

O meu leitor petista que aposta na aliança de conservadores e “esquerda esclarecida” em uma luta de vida ou morte com os Garotinho, pode estar a pensar sobre qual a saída possível. Por enquanto sugiro que compreenda como os Garotinho se encontraram, mesmo que de forma insuficiente, com as demandas populares concretas locais. Para além de querer regrar os interesses desta camada da população, o caminho seria pelo diálogo franco e respeitoso com estes ofertando mais do que os Garotinho já foram capazes de fazer, algo ainda apenas esboçado nos melhores momentos da campanha do professor Jefferson de Azevedo. Até porque, vale pensar qual lugar era ocupado pelas demandas populares nos tempos de dominância política, administrativa e simbólica das oligarquias latifundiárias, o que ajuda a entendermos a persistência da popularidade da família Garotinho. Um projeto progressista local digno desse nome só pode partir dos Garotinho e ir adiante, superá-lo. Jamais ir ao ponto histórico-político anterior para buscar aliados de ontem ou de hoje.

E Wladimir? Tudo indica que será reeleito hoje, confirmando a tese da vantagem do incumbente cujo governo é bem avaliado. Fez um governo aprovado por amplos setores da população, onde entra aí o mérito político-administrativo individual do prefeito e o contraste com impopular governo Rafael Diniz. O segundo governo provavelmente manterá a configuração plural deste primeiro mandato, incluindo em seu staff nomes de esquerda e da direita, desautorizando classificar Wladimir apressadamente como um “palhaço macabro”, termo utilizado por Caetano Veloso para classificar lideranças de extrema-direita. Contudo, nós democratas podemos sim ressaltar criticamente os sinais de “semilealdade” ao projeto democrático por parte do prefeito reeleito ao confraternizar com lideranças de extrema-direita, mesmo que sem muita convicção e sob desconfiança da direita local organizada. Então prefeito, de qual lado o senhor estará neste segundo mandato? Torço que aproveite a ocasião para reafirmar um compromisso intransigente com a democracia.

* Imagem original publicada em: https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2024/02/6801807-crise-da-democracia-no-brasil.html, acesso em 16 de outubro de 2024.

** A primeira versão deste texto foi publicada em 06 de outubro de 2024 na versão impressa do Jornal Folha da Manhã em Campos dos Goytacazes, RJ. Também na mesma data foi publicada a primeira versão digital do ensaio no blog Opiniões, dirigido pelo jornalista Aluysio Abreu Barbosa: https://opinioes.folha1.com.br/2024/10/06/george-coutinho-a-questao-democratica-e-campos-2024/, acesso em 16 de outubro de 2024.

*** Cientista político, sociólogo e professor no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos.

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

PT de Campos dos Goytacazes, o partido que virou suco - Douglas Barreto da Mata

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PT de Campos dos Goytacazes, o partido que virou suco

Douglas Barreto da Mata** 

Um breve histórico sobre o Partido dos Trabalhadores, que nasce como uma junção de setores de movimentos políticos que resistiram à ditadura cívico-militar com outros setores mais recentes, no fim da década de 70, início dos anos 80.

 Uma base eclesial, que tinha como orientação a Teoria da Libertação, egressos da resistência armada e exilados que retornavam, integrantes do movimento estudantil, que ressurgia, intelectuais, artistas, e claro, o movimento operário do ABC de São Paulo, que era quase hegemônico no partido (e de certa forma, ainda é, senão como movimento operário, mas pelo domínio paulista).

 Essa mistura pariu várias tendências, que davam um aspecto de cacofonia partidária, que não raro era considerado um ambiente impossível de se fazer política, dada a tradição do caciquismo político nacional.

 Não foi esse o problema do PT, nem no Brasil, nem em Campos dos Goytacazes.

 Na planície goytacá, o partido nasce da iniciativa de servidores públicos (como em boa parte das capitais, exceto SP, ABC paulista e outras regiões industriais), setores da Igreja Católica (como resposta ao enclave ultra tradicionalista local), e algumas lideranças rurais, já que a dinâmica econômica campista não permitia a existência de um movimento operário forte.

 A atividade industrial por aqui sempre foi ligada à agroindústria, no ramo de fabricação e manutenção de insumos para as plantas das usinas, ou para a manutenção de bens de capital, usados na lavoura (material rodante, caminhões, etc).

 Foi assim que o PT de Campos surge, bem no meio do início da transição econômica da economia agroindustrial para o extrativismo de hidrocarbonetos.

 Em 1980, 1981 ainda não se falava de petróleo ou de royalties, mas já eram ouvidos os primeiros ruídos da fratura das oligarquias rurais.

 Data desta época a estranha simbiose entre o PT  comum fenômeno da comunicação de massas local, que usava o rádio, então a plataforma que atingia os mais pobres da cidade e, principalmente, os alcançava onde a TV não ia, no interior.

 Anthony Garotinho é um dos fundadores do PT, e olhando hoje a situação do partido na cidade, isso explica muita coisa.

 Desde então, a vida partidária do PT local se resume a amar odiar ou a odiar amar o ex-deputado estadual, ex-deputado federal, ex-prefeito e ex-governador, e duas vezes secretário estadual, uma vez de agricultura, com Brizola, e depois, de segurança, com sua esposa como governadora.

 Mas por que o PT ama odiar a família Garotinho?

 Em 1988, o PT racha, sendo que uma parte sai para a campanha do então candidato a prefeito, Garotinho, que concorria contra o cambaleante Zezé Barbosa (avô de Rafael Diniz), e a outra parte defende e leva adiante um candidato, Luiz Antônio Magalhães.

 Daquele momento até hoje, reduzindo um pouco as coisas, é possível afirmar que o PT se uniu e se separou do clã Garotinho quase sempre sem conquistar nada, nem na entrada, nem na saída.

 Isso se estende aos aliados da família que se transformaram em opositores do clã.

 Ou seja, ainda que buscando alternativa, esse deslocamento sempre se deu com pouco acúmulo, ou como resultado de arranjos “vindos de cima”, em sua maioria, para submeter o interior e a capital do Rio de Janeiro às demandas de Lula e do PT/SP.

 O PT esteve no governo Arnaldo Vianna, esteve junto com Garotinho no seu primeiro governo estadual, até o rompimento, esteve com Carlos Alberto Campista (dissidente do grupo dos Garotinhos), esteve com o desastre Alexandre Mocaiber, e por último, com a catástrofe Rafael Diniz.

 Sempre a reboque, sempre na hora errada, pelos motivos errados, ou pior, sem qualquer motivo que valesse à pena.

 Há episódios de bons resultados eleitorais, como os irmãos Rangel (Antônio Carlos e Zé Maria), e Makhoul Moussalem.

 Mais uma vez, estes projetos pessoais nunca repercutiram na vida do partido, ou se repercutiram, apenas para dar mais dimensão aos personagens, que se encolheram em seus projetos personalíssimos.

 O partido que vira suco.

 Toda essa trajetória e nosso vínculo afetivo com o partido nos levaram ao exercício de tecer algumas análises, todas, sem exceção, publicadas no Blog do Pedlowski.

 Em junho de 2024 fizemos uma análise mais ampla:

https://blogdopedlowski.com/2024/06/20/o-pt-e-sua-singularidade/

 Depois passamos ao escrutínio na cena campista.

 O processo de amadurecimento da campanha eleitoral petista, desse ano de 2024, nos chamou a atenção, já que a conjuntura nos mostrava pouco espaço de manobra para o partido, soterrado por um avanço do conservadorismo, que se não é inédito por essas plagas, assumiu contornos mais agudos desde 2018.

 Talvez a cidade esteja no mesmo nível de ânimo conservador de sempre, mas o ruído produzido por setores mais extremados dão a impressão de um aumento da direita.

 Esta é a primeira noção que passa despercebida ao PT de Campos dos Goytacazes, talvez seduzido, mais uma vez, por acenos e atalhos patrocinados por forças políticas antagônicas aos Garotinhos.

 Encaixotado na disputa entre os Bacellar e os Garotinhos (como já aconteceu com cada um dos clãs que antagonizam os Garotinhos), o PT foi levado a promover um suicídio político-eleitoral, e aguardou uma candidata deputada estadual, que estava impedida, e que agia por ordem do clã Bacellar.

 A ideia era usar o partido como ponta de lança contra os Garotinhos, neste caso personificados no Wladimir Garotinho, para facilitar o caminho da extremista de direita, a delegada Madeleine.

 Falamos disso por aqui:


https://blogdopedlowski.com/2024/07/16/por-onde-anda-wally/

 Sem a candidata deputada, sem os votos dela, sem sequer sua presença, Jefferson Manhães, ex-reitor do IFF, neto do José Alves de Azevedo (que foi prefeito do PTB, e perdeu o cargo para um golpe de Zezé Barbosa, aliado dos militares), o PT de Campos ficou pendurado na brocha.

 Porém, como se tudo isso não fosse suficiente, o PT local insiste nesse papel secundário, de rabo de elefante, no lugar de ser cabeça de mosquito, como sempre falo.

 O caso do IDEB foi um clássico, onde Jefferson se aliou à extrema-direita para passar um vexame digno de Kim Kataguiri, ou de Carla Zambeli.

 Tratamos disso aqui:

 

https://blogdopedlowski.com/2024/08/18/o-ideb-separa-a-california-da-louisiana-mas-aproxima-o-pt-da-extrema-direita-em-campos/

  

Bem como antes falamos das possibilidades do PT em Campos:

 

https://blogdopedlowski.com/2024/08/12/o-pt-de-campos-e-suas-possibilidades-em-2024/

 Como se pode ver, há uma anacronismo tal nas ações do partido, que nem precisamos dar um aspecto cronológico nos textos.

 É como se fosse uma burrice atemporal, quase anti histórica mesmo, que nos leva de volta à questão:

 Por que o PT de Campos ama odiar os Garotinhos, e orienta toda sua trajetória a partir dele como referência, ao contrário do que deveria fazer, já que o PT de Campos diz ser a alternativa a esse modelo dos Garotinhos?

 Historicamente incapaz de adentrar no campo popular campista, segregado no eleitorado de classe média, cujo caráter tem sido mais sensível, ultimamente, às falas da extrema-direita, o PT de Campos ficou sem lugar, como resultado de um processo que não é recente.

 Em verdade, a nível nacional instalou-se certa esquizofrenia no PT quando a pauta “moralista” anticorrupção foi subtraída do partido (que a usava com maestria no fim dos anos 80 até o início dos anos 2000).

 Como teve que governar e fazer alianças, o partido afastou as bases sindicais, movimentos populares do campo e da cidade, e optou por dar ênfase ao institucionalismo e aos reclames da governabilidade, que como um círculo vicioso, ou um saco sem fundo, exigiu cada vez mais concessões, que por sua vez enfraquecia a base popular de mobilização, e cada vez mais fraco, o PT precisa ceder mais, e  por aí foi.

 Uma prova:

 Dilma foi golpeada, Lula preso, sem resistência.

 Nada.

 Em Campos dos Goytacazes esse problema se deu nos moldes das especificidades locais.

 Durante um tempo, os apelos moralistas do PT mantiveram uma parte do eleitorado classe média conservador e anti garotista.

 Com o advento da devassa do lawfare recente, que foi iniciado em 2006 (mensalão), a legenda desidratou.

 Porém, ao invés de optar por demarcar um campo político que afastasse a extrema-direita e seu discurso predileto (moralista), o PT escolheu disputar esse campo com os extremistas, o que parece-nos que vai levar o partido a ser reduzido ainda mais.

 Assim, ao invés de ter a coragem de falar o que tem que ser dito, como rico é que deve pagar imposto, desenvolvimento econômico desigual não nos serve, reforma agrária é urgente, etc, o PT de Campos tenta seguir o caminho da suavização envergonhada, pálida, brigando com IDEB, acendendo a mais horrorosa demonização e criminalização da pobreza e de populações de rua, fazendo coro às histerias da classe média.

 Bem, como não há espaço vazio em política, o PT corre o risco de contribuir para o isolamento do prefeito atual, ou pior, na sua reaproximação com setores mais radicais de direita.

 Não devemos cair na palermice de imaginar que a presença de Flávio Bolsonaro seja um sinal de que Wladimir Garotinho pendeu para aquele espectro da política.

 Só os tolos e os petistas, do tipo “Sou PT, mas voto Feijó”  defendem uma asneira dessas.

 Observar com honestidade o cenário estadual mostra que Wladimir atraiu Flávio, e interditou uma aliança com as facções mais exaltadas aqui no interior, e de certa forma, esse movimento se reflete no afastamento de uma parte dos Bolsonaros de Cláudio Castro e Cia, inclusive porque Carlos Bolsonaro vai disputar vaga para o senado, em detrimento do governador, ou de quem ele indicar.

 A percepção desse racha, com a presença do senador filho do ex-presidente, dão uma demonstração do faro fino do prefeito campista em aproveitar brechas e costurar alianças de todos os lados, fazendo interlocução simultânea com todas as matizes ideológicas.

 Sem um programa, e pior, sem interesse em fazer a diferença entre a extrema-direita representada na delegada e seus aliados do Governo do Estado e o atual prefeito, que ele mesmo reivindica um “centro” político que, se não existe, ao menos o torna mais ameno ao debate, o PT, mais uma vez, renuncia àqueles que seriam bons motivos para conversar com um “centro” (o que, aliás, é o que Lula faz todo o tempo), e embarca na canoa da extrema-direita, reproduzindo conceitos caros à ela, como eco.

 Por fim, o PT de Campos abre mão de renovar seu discurso de esquerda, com o qual poderia sentar à mesa e disputar espaço onde é possível disputar.

 Espremido pelas contingências e por sua própria inabilidade, deixando que a coordenação de campanha afunde o porvir partidário, eis que o PT de Campos virou suco.

* Disponível em: https://brasiliarios.com/images/estreladoPT1.jpg, acesso em 22 de agosto de 2024.

** Douglas Barreto da Mata, inspetor de polícia desde junho de 2003, com passagens por delegacias de São Gonçalo, Maricá, Rio das Ostras, Macaé e Campos dos Goytacazes. Formado em eletrotécnica pela então Escola Técnica Federal de Campos, atual IFF. Autodidata, marxista convicto e fã de Led Zeppelin, Chico Science, Nação Zumbi, e Mundo Livre S/A. Militante do PT desde 1986, onde integrou o diretório municipal de Campos dos Goytacazes e o diretório regional do RJ. Participou dos governos Arnaldo Vianna, na aliança PT/Garotinho em 1999/2000, na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima e do governo Benedita da Silva, como chefe de gabinete da FENORTE, em 2001/2002. Editor do blog Planície Lamacenta.

domingo, 11 de agosto de 2024

"Lançamento do livro “Re-trabalhando as classes no diálogo Norte-Sul"


Lançamento do livro “Re-trabalhando as classes no diálogo Norte-Sul: trabalho e desigualdades no capitalismo pós-covid”, organizado por Elísio Estanque, Agnaldo de  Sousa Barbosa e Fabrício Maciel (Editora Unesp).

Exposição de Fabrício Maciel (COC/UFF/PPGSP/UENF)

Mediação de George Coutinho (COC/UFF)

Local: Auditório da UFF-Campos, R. José do Patrocínio 71. Bloco C, Auditório.

Data: 13/08/2024, 18 horas.


 

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

A eleição venezuelana de 2024 - Luis Felipe Miguel

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A eleição venezuelana de 2024**

Luis Felipe Miguel***

Somente os muito crédulos aceitam que as eleições na Venezuela foram limpas. A questão não é a discrepância com uma apuração privada paralela, um argumento obviamente sem pé nem cabeça e que aparece nas narrativas dos defensores de Maduro como maneira de desqualificar a crítica.

Vamos olhar para os percentuais quase redondos dos candidatos, implausíveis. Ou para o presidente venezuelano anunciando precocemente sua vitória, com percentuais exatos, faltando ainda um quinto das urnas a serem totalizadas. Ou para a ausência de apresentação das atas. Ou para o veto a observadores externos, quando seria fundamental para o regime garantir uma aparência de total lisura no processo.

Sem falar nas sucessivas investidas contra a oposição e no alinhamento quase ostensivo da justiça eleitoral ao governo.

Breno Altman, na Folha de ontem, disse que “o sistema eleitoral da Venezuela já foi elogiado por Jimmy Carter como um dos mais sólidos do mundo”. Esqueceu de dizer que a declaração foi feita em 2012. E que o Centro Carter, criado pelo ex-presidente estadunidense e especializado em acompanhamento de eleições, afirmou que a eleição de agora “não se adequou a parâmetros e padrões internacionais de integridade eleitoral e não pode ser considerada democrática”.

O fato de que a oposição as Maduro é hegemonizada por títeres do imperialismo estadunidense não muda essa realidade: até onde vista alcança, é muito mais provável que o pleito tenha sido fraudado.

Nada disso justifica, é claro, que uma potência estrangeira – os Estados Unidos – proclame que outro candidato foi o vencedor.

Não há como “reconhecer” uma vitória que não foi proclamada por nenhuma instituição oficial. O que os Estados Unidos e seus aliados tentam fazer, ao proclamar Edmundo González como vitorioso, é invalidar a soberania venezuelana e abrir caminho para um golpe.

É uma reedição da palhaçada com Juan Guaidó, proclamado “presidente” da Venezuela em 2019 por Donald Trump.

A posição oficial do Brasil está correta. Trata-se de exigir do governo venezuelano que apresente as atas e estabelecer um caminho de negociação para encontrar saídas para a crise – e para a construção de uma Venezuela soberana e democrática.

Não é o que querem os Estados Unidos. Nem, de fato, os defensores incondicionais de Maduro.

Vale a pena ler a entrevista do embaixador Benoni Belli, representante do Brasil na OEA, à Folha de S. Paulo.

Com o tato necessário, ele põe o dedo na ferida, explicando porque a OEA não foi capaz de aprovar uma resolução sobre a Venezuela (o texto apresentado pelos Estados Unidos foi rejeitado):

“Houve quem tentou criar uma falsa dicotomia entre defensores e detratores da democracia. Esse tipo de narrativa pode servir aos propósitos de ganhar pontos na política doméstica de alguns países, mas não se coaduna com a diplomacia multilateral, que exige negociação e busca de caminhos comuns”.

É preciso simultaneamente pressionar e respeitar o governo venezuelano.

A direção do PT lançou uma nota equivocada e Lula errou na declaração sobre a “normalidade” da situação. Mas a posição oficial do Brasil, expressa pelo Itamarati, pela representação na OEA e pelo comunicado conjunto com Colômbia e México, é correta.

A mesma imprensa que condena o governo por qualquer declaração mais enfática contra Israel quer hostilidade aberta contra a Venezuela – como se uma suspeita de fraude eleitoral fosse mais grave que um genocídio e como se não tivéssemos que ser cautelosos nas relações com um país vizinho. Mas é só vontade de ficar a serviço do imperialismo.

* Disponível em: https://chappatte.com/en/images/a-very-close-venezuelan-election, acesso em 05 de agosto de 2024.

** Publicado originalmente no perfil de Facebook do autor em 05 de agosto de 2024: https://www.facebook.com/luisfelipemiguel.unb  

*** Professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). Está lançando este ano, pela editora Boitempo, o seu "Marxismo e política: modos de usar".

terça-feira, 30 de julho de 2024

Eleições 2024 e o “efeito Witzel” - George Coutinho

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 Eleições 2024 e o “efeito Witzel” **

 George Gomes Coutinho ***

 

Ando acompanhando com muita atenção as entrevistas de candidatos/pré-candidatos a prefeito(a) de Campos para estas eleições. Eis uma das melhores maneiras de conhecer justamente o que a classe política local anda pensando, sobre eles mesmos e sobre a cidade.

Neste trabalho de audição atenta e respeitosa, um ponto tem se repetido, especialmente entre os nomes mais à direita: a esperança no que estou chamando de “efeito Witzel”. Me explico.

Nas eleições de 2018 tivemos o crescimento espantoso das intenções de voto de Wilson Witzel, ex-governador impichado do RJ e também meu colega no PPGCP/UFF em Niterói. Antes de prosseguir advirto ao leitor que não tenho nenhuma responsabilidade nos dois pontos biográficos que citei. Fiz até mesmo declaração pública de voto em Eduardo Paes para o Governo do Estado naquela ocasião.

De todo modo Witzel, até então um ilustre desconhecido e muitas vezes apelidado de Pretzel entre seus detratores, disparou na reta final nas intenções de voto e ganhou o pleito para governador do RJ no segundo turno. Com consistentes quase 60% dos votos válidos.

Esta disparada na intenção de votos não foi detectada no decorrer de 2018 e causou até perplexidade. Eis o “efeito Witzel”.

Em Campos, até o presente momento, as pesquisas de intenção de voto e de humor do eleitor com a atual administração indicam que Wladimir Garotinho pode, sim, liquidar a fatura já no primeiro turno. A questão é que nas entrevistas os opositores de Wladimir apostam na possibilidade de ocorrer o “efeito Witzel”. Ou, em outros termos, há a esperança declarada de que um ou mais nomes na concorrência eleitoral possam surpreender a todos nós e produzir uma reversão de expectativas na concorrência para a Prefeitura.

O maior problema deste raciocínio é desconsiderar o contexto das eleições de 2018 e até mesmo o pleito de 2016.

A conjuntura foi uma tempestade perfeita. Lavajatismo, antipolítica, prisão de Lula (que liderava as intenções de voto para presidente em 2018), diversos nomes se apresentando com um discurso antissistema e se vendendo como vacina “contra tudo o que está aí”. Foi isso que levou diferentes agentes com discurso, verídico ou não, de outsiders ao poder. Vide Dória em Sampa com seu papo “não sou político, sou empresário”, Kalil em BH e até mesmo Rafael Diniz em 2016, o primeiro eleito para a Prefeitura campista que não era egresso do grupo Garotinho.

Bolsonaro, Witzel, igualmente, ambos em 2018, surfaram uma onda muito específica que os alçou ao poder.

Dois mil e dezesseis e 2018 não foram anos de “eleições normais”. A conjuntura produziu diversos resultados surpreendentes.

Bem, e agora? A conjuntura não é a mesma. Diferentes análises indicam que as eleições de 2022 se movimentaram para alguma normalidade, tendo menos espaço para outsiders nos executivos locais, estaduais e nacional. Ou seja, longe de quebras bruscas e reversões radicais de expectativas, estamos voltando para um comportamento “normal” do eleitor onde este avalia simplesmente seu bem-estar, se o trabalho de policy making (elaboração de políticas) lhe é satisfatório ou não.

Penso que a tendência do processo de alguma desradicalização em curso, iniciado em 2022 e presente nos discursos de diferentes candidatos aos executivos estaduais, pode seguir neste 2024.

Dois mil e vinte e quatro tá com um “jeitão” de eleição normal. O humor (mood) do eleitor, que produziu o “efeito Witzel”, parece não estar presente.

Então, tudo mais constante, parece que a vantagem do incumbente campista segue até termos fatos novos que produzam a reversão de expectativas.

* Disponível em: https://pbs.twimg.com/media/EGmcUONWkAIPOO6.jpg, acesso em 30 de julho de 2024.

** Uma primeira versão desta reflexão foi publicada no perfil de facebook do autor em 22 de julho de 2024 (disponível em: https://www.facebook.com/george.coutinho.35/). A segunda versão foi publicada na página 04 do jornal campista Folha da Manhã em 27 de julho de 2024.

*** Cientista político, sociólogo e professor no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos.

terça-feira, 25 de junho de 2024

Os Bacellar, o Executivo local e 2024 - George Coutinho

 

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Os Bacellar, o Executivo local e 2024**

George Gomes Coutinho***

 

No cenário institucional da divisão dos Poderes temos duas situações quando falamos sobre a mobilidade dos agentes: a) a permanência no Poder de origem; b) o trânsito de um Poder para outro. A história política tem incontáveis exemplos das duas situações para todos os gostos. Temos carreiras solidamente estruturadas e longevas em que há uma vida inteira dedicada a um só Poder. E há aqueles que transitam demonstrando, por vezes com brilhantismo, a versatilidade daquele mesmo agente político individual. Mas, o que explica a decisão, seja por mobilidade, seja por permanecer onde está? Minha resposta envolve cálculo e paixão.

Agentes políticos não fazem menos cálculos racionais que os agentes situados analogamente na economia. Custos, recursos, viabilidade e expectativas. Tudo isso importa, seja para o mercado econômico ou para o mercado político. O problema é que não somos só cálculo frio. Nem nós e nem a classe política. Há algo de paixão que dá sabor à aventura humana. A luta pelo poder e a manutenção da conquista são empreendimentos custosos. Em troca do quê? Seja em Nicolau Maquiavel (1469-1527), seja em Thomas Hobbes (1588-1679), as respostas que explicam essa busca existencial dos agentes políticos transitam entre honra e glória. Quiçá deixar um legado com potencial de transcender uma vida humana em sua limitada duração. Portanto, longe de certo cinismo costumeiro da opinião pública, fazer política em seu sentido profundo vai além do vil metal (embora a atividade seja também meio de mobilidade social e enriquecimento). A paixão por um projeto, pessoal ou coletivo, pode despertar o desejo de mudança do agente político de um poder para outro.

Querer migrar de Poder é lícito e faz parte das regras do jogo. Entra na construção da biografia do político profissional e pode ter motivação tanto no cumprimento de imperativos do momento, por exemplo a missão partidária, ou a busca por glória. Já a possibilidade concreta da migração, os meios dados pela conjuntura, tudo isto é de natureza factual. Há ou não há a viabilidade.

É este o espírito da discussão sobre os Bacellar e a disputa eleitoral em Campos neste ano de 2024.

Os Bacellar são, na atual quadra histórica, um dos clãs políticos mais bem-sucedidos da região Norte Fluminense. Sr. Marcos Bacellar, nascido em 1950, o patriarca, e seus filhos Rodrigo, de 1980, e Marquinho, de 1984, somam sete mandatos legislativos, contando os que estão ainda em vigência. Cinco na Câmara de Vereadores de Campos dos Goytacazes e dois na Alerj. Este capital político acumulado em expansão, que inicia na trajetória sindical do pai do clã, não encontra par facilmente nas carreiras políticas locais. Com tudo isso, Marquinho ocupa no momento a presidência da Câmara de Vereadores. Rodrigo preside a Alerj. Não são figurantes ou amadores. Presidir Casas Legislativas só é feito alcançável mediante trabalho duro, leitura dos interesses em jogo, acordos e estômago. E ali permanecer? Razão estratégica, contemplar demandas e, por vezes, força bruta.

A ambição política do grupo de alguma maneira encontra síntese bem acabada na trajetória de Rodrigo. Em perfil elogioso feito pelo jornal Folha de São Paulo em 27 de abril deste ano, o capital político conquistado por ele é destacado, o que o coloca como um dos homens fortes da política fluminense. Não por acaso a campanha de Eduardo Paes, favorito nas pesquisas na disputa carioca deste ano, corteja explicitamente o deputado campista.

E Campos nessas eleições municipais? Como eu já disse no programa Folha no Ar em março último, o clã Bacellar optou por participar terceirizando sua representação na disputa pela prefeitura. Não virão em nome próprio e não migrarão, em pessoa, do Legislativo para o Executivo. Marquinho, ao que parece, seguirá disponibilizando seu nome para a vereança e, assim sendo, conquistará seu terceiro mandato sem dificuldade.

Verdade seja dita, nenhum Bacellar assumiu compromisso público indicando que disputaria a Prefeitura neste 2024. Contudo, dado o indisfarçável investimento em fase de pré-candidaturas, é impossível que neguem seu interesse no Poder Executivo campista. Pelo contrário. Os Bacellar já têm sua presença na disputa para o Executivo emprestando seu capital político, presença e máquina.

A paixão também é indiscutível e transborda nos duros embates públicos com os Garotinho, outro clã inegavelmente relevante. Por vezes as brigas são de corar os mais sensíveis e já se tornaram caso de polícia. A disputa dos pais dos clãs por vezes se replica, em baixos teores, nas estocadas verbais trocadas entre Wladimir e Marquinho.

Há paixão, portanto. O desejo também é detectado, mesmo que reprimido na terceirização da presença do clã na disputa para a Prefeitura e explicitado nos investimentos decorrentes. E há a frieza do cálculo. Os números, a preço de hoje, indicam que 2024 parece ser o ano da reeleição de Wladimir Garotinho. Tudo o mais constante é melhor proteger o capital político angariado pelos Bacellar do desgaste da derrota diante de um adversário relevante. Afinal, Rodrigo e Marquinho são jovens, demonstram fôlego e ambição. E 2028, uma nova rodada de disputa, chegará antes do que se pensa. Talvez lá o cálculo frio vislumbrará uma janela que permita a migração dos Bacellar para o Executivo caso estes concretamente desejem.

* Foto publicada no perfil de instagram do vereador Marquinho Bacellar. Disponível em: https://www.instagram.com/marquinhobacellaroficial/, acesso em 25 de junho de 2024.

** A primeira versão deste texto foi publicada em 22 de junho de 2024 tanto na página 4 do jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ, quanto no blog Opiniões do jornalista Aluysio Abreu Barbosa, disponível em: https://opinioes.folha1.com.br/2024/06/22/george-coutinho-os-bacellar-o-executivo-local-e-2024/ , acesso em 25 de junho de 2024.

*** Cientista político, sociólogo e professor no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos

sábado, 22 de junho de 2024

SOBRE PRESTES, BRIZOLA E LULA - Breno Altman

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SOBRE PRESTES, BRIZOLA E LULA** 


Breno Altman***


A esquerda brasileira, em mais de cem anos, desde a greve geral de 1917, produziu somente três grandes lideranças nacionais, capazes de ter suficiente apoio para assumir protagonismo e comandar o país.

A primeira delas, a mais heroica, foi Luiz Carlos Prestes, principal figura dos levantes tenentistas. Seu período de real influência foi dos anos 20 até os 60. Chefiou a coluna que levaria seu nome, conduziu a insurreição de 1935, passou quase dez anos preso e, apesar da clandestinidade e do clima anticomunista da guerra fria, além dos graves erros cometidos por seu partido e por si mesmo, desempenhou papel de relevo até o golpe de 1964. Não é à toa que encabeçava a primeira lista de cassação da ditadura.

A segunda foi Leonel Brizola. Por seu papel na crise de 1961, quando era governador do Rio Grande do Sul e comandou a resistência que derrotaria o golpe militar em andamento contra a posse de João Goulart, vice do renunciante Jânio Quadros, transformou-se em referência central do trabalhismo, a partir de uma perspectiva nacional-revolucionária que levaria amplas frações dessa corrente, fundada por Getúlio Vargas, ao campo de esquerda. Era a grande alternativa eleitoral das forças populares para o pleito de 1965: em boa medida, a reação militar-fascista se deu para barrar sua caminhada. Desde o retorno do exílio, em 1979, foi perdendo protagonismo, particularmente após 1989, quando não teve votos para passar ao segundo turno das primeiras eleições presidenciais desde o golpe de 1964.

A terceira é Luiz Inácio Lula da Silva. Ao contrário de seus antecessores, chegou à Presidência da República. Filho do movimento operário e popular que emergiu nos anos 70, seu líder incontestável, logrou forjar base social e eleitoral para, pela primeira vez na história brasileira, levar a esquerda e um partido orgânico da classe trabalhadora à direção do Estado.

Antes que alguém reclame, a nominata não inclui Getúlio Vargas porque o mentor do trabalhismo não era nem nunca se reivindicou de esquerda. Sua trajetória é a de um chefe do nacionalismo burguês que, em seu segundo mandato presidencial, rompeu com os setores hegemônicos da classe à qual pertencia e deu curso a uma inconclusa transição para o campo anti-imperialista.

Tampouco inclui Jango, pelas mesmas razões.

Também Dilma Rousseff está fora dessa tríade. Mesmo eleita e reeleita presidente, sua ascensão, em que pese biografia de bravura e dedicação, é essencialmente expressão do projeto construído por Lula e o PT.

Retomando o fio da meada: apenas três protagonistas de esquerda em cem anos.  Não seria motivo suficiente para, apesar de críticas e discordâncias eventualmente procedentes, o conjunto das forças progressistas tratar esses personagens com a prudência devida aos nossos maiores patrimônios?

Mesmo que os listados tenham distintos alinhamentos ideológicos, é inegável seu papel comum, cada qual em um ciclo determinado, de simbolizar a esperança e a unidade do povo contra a oligarquia. Mais que isso, a possibilidade real de derrotá-la.

Dos três, apenas Lula segue vivo e em função.

Como os demais, é nossa dor e nossa delicia. Sofremos com possíveis vacilações e erros, lamentando e até nos revoltando contra certas decisões que parecem desastrosas, além de apoiarmos e aplaudirmos tudo o que fez de positivo. Mas, como cada um de seus antecessores, representa o que de melhor o povo brasileiro conseguiu produzir em sua longa luta emancipatória.

Por essas e outras, defender Lula contra os inimigos de classe é tão importante. A burguesia o ataca com tamanha intensidade exatamente pela esperança que representa junto à classe trabalhadora. Porque ele continua a expressar o caminho mais visível para os pobres da cidade e do campo se imporem sobre os interesses oligárquicos.

Quem não consegue entender isso, e se julga de esquerda, deixa-se paralisar pelo sectarismo, vira as costas para a história e, infelizmente, joga o jogo que a direita joga.

* Imagem disponível em: https://teoriaedebate.org.br/2023/04/14/a-esquerda-brasileira-e-a-questao-democratica-parte-2/, acesso em 22 de junho de 2024.

** Publicado no perfil do "X" pelo autor em 22 de junho de 2024: https://x.com/brealt/status/1804353404581327188. Republicado aqui no blog com autorização do próprio Breno Altman

*** Breno Altman é jornalista profissional. Fundou em 2008 o portal Opera Mundi. Neste ano de 2024 está lançando o livro "Contra o Sionismo" pela Alameda Editorial.