Wladimir e a direita autoritária**
George
Gomes Coutinho***
Já
apontei que o prefeito Wladimir Garotinho, reeleito neste 2024 com a maior
votação nominal da história da cidade, não poderia ser classificado como um
“palhaço macabro”, termo utilizado por Caetano Veloso para designar a
extrema-direita no Brasil e no mundo. E, de fato, seu diálogo com agentes dos
dois lados do espectro político, sua abertura para implementar políticas públicas
mirando a efetividade e não identitarismo ideológico, sua performance pública
em diversas ocasiões ignorando discursos de ódio a grupos políticos ou a
setores da sociedade, tudo isso reitera: Wladimir não é um fascista. Contudo,
há contradições que preciso apontar. E no período pós eleitoral o prefeito,
enfim, optou por escorregar em cascas de banana que acendem sinal de alerta
para quem milita no campo democrático. E, creio, cabe correção de rota enquanto
há tempo.
O
prefeito, quadro neste momento do PP, o Progressistas, ainda em campanha já
havia exibido como sinal de prestígio tanto o apoio de Ciro Nogueira, este no
mesmo partido de Wladimir, quanto o de Flávio Bolsonaro do PL. Aos mais
ligeiros lembro que o PP tem ministério no Governo Lula. Então, a questão não é
propriamente o PP ou o Centrão, instância política brasileira a qual nenhum
presidente brasileiro pode abrir mão na atual configuração de nosso sistema. O
problema são as companhias específicas que citei. Nogueira e Flávio não são
nomes do campo democrático. Mesmo que Wladimir tenha, ao menos em um primeiro
momento, se aproximado de ambos de forma acanhada e almejado apenas ampliar seu
capital político, o gesto de proximidade já o tornou uma liderança semileal à
democracia. A semilealdade democrática, descrita pelo cientista político Juan
Linz em seu The Breakdown of Democratic Regimes, lançado em 1978, indica
condescendência com lideranças de DNA autoritário. Ao invés de isolar,
implementar um cordão sanitário, algo encontrado em lideranças democráticas mundo
afora, a opção é por confraternizar com extremistas. Podemos intuir que os
supracitados talvez ofertem benefícios que outros agentes ou grupos não
ofertaram: portas que se abrem, contatos vantajosos com o primeiro escalão.
Tudo isto podemos colocar na conta do cálculo racional frio e pragmático.
Porém
a hipótese do mero cálculo anda constrangida lamentavelmente por ações do próprio
Wladimir que parece querer arriscar o respeito adquirido dentro do campo
democrático. Nunca é tarde para lembrar que parte de seus votos tem por origem
os que viram na delegada Madeleine a representante da extrema-direita nas
eleições municipais campistas. Sim, Wladimir atraiu votos tímidos ou
entusiasmados do campo democrático. Por isso vamos por partes.
Recentemente
uma das indiscretas postagens em rede social de Wladimir adulando o patriarca
do clã Bolsonaro é motivo suficiente para questionarmos as convicções do
prefeito boa praça. Todos os fatos ventilados alhures indicam Jair Bolsonaro
como uma liderança francamente radioativa ao regime que deu os mandatos da
carreira política de Wladimir. O passado e o presente de Jair Bolsonaro o fazem
palatável apenas a assemelhados ideológicos, seja Donald Trump ou Viktor Orbán.
Isso a despeito de sua popularidade doméstica. E não, aparecer na foto com um
homem que instigou seus liderados com discursos de eliminação de adversários
não é o mesmo que ser fotografado ao lado do Mickey em Orlando. Com tudo isso,
por crimes contra o Estado de Direito, Wladimir pode ter sido registrado ao
lado de um futuro criminoso condenado.
Ainda,
o prefeito também achou por bem se meter na Guerra Cultural ao entrar na
discussão de gênero e sexualidade nas escolas campistas a pretexto de se
considerar “conservador”. O termo “conservador” vale para personagens
importantes como Edmund Burke (1729-1797) ou Alexis de Tocqueville (1805-1859),
filósofos da conservação política temerosos que eram de mudanças sociais e
institucionais bruscas. O ponto é que jamais o conservadorismo destes flertou
com o obscurantismo.
Falemos
sobre a lei 9.531 sancionada por Wladimir e proposta na Câmara pelo vereador
Anderson de Matos (Republicanos).
A
discussão de gênero e sexualidade nas nossas escolas funciona analogamente como
algo que ouvi há muitos anos em uma palestra proferida por um profissional da
área de medicina que jamais consegui lembrar o nome: a escola é uma das maiores
promotoras de saúde coletiva que podemos ter em nossa sociedade. Práticas,
regras, conteúdos simples ensinados de maneira didática que impactam de maneira
significativa cidadãos em toda uma vida. Sim, é na escola, em nossa sociedade,
que muitos de nós ouvimos pela primeira vez, além de diversos conteúdos abstratos
e formais, sobre saúde reprodutiva, tolerância, práticas esportivas como parte
do desenvolvimento humano, como se alimentar bem, etc.. Escola é espaço de
formação com força civilizatória. Jamais perfeita, dado que é instituição
humana. Mas a contribuição da escola enquanto promotora de qualidade de vida é
simplesmente inestimável.
Nestes
termos, ter a escola como espaço de promoção ao respeito da diversidade sexual
realmente existente e lugar de vivência e ensino da igualdade civil, política e
social de gênero deveria contar com o apoio da sociedade e da classe política.
Ora, é fato desconhecido a defasagem salarial de mulheres no mercado de
trabalho? Igualmente é ficcional que vivemos em uma sociedade que pratica
diferentes tipos de violência onde o critério para a escolha de alvos é a
orientação sexual? Ainda, que na própria escola o bullying e todo tipo de
linchamento tem o potencial de produzir diferentes formas de sofrimento como o
cutting e, no limite, o suicídio?
A
lei 9.531 sancionada por Wladimir coloca sobre os ombros dos pais a decisão de
sonegar ou não os conteúdos de gênero e diversidade sexual a crianças e
adolescentes. Se trata disso. É um empoderamento duvidoso das famílias em uma
cruzada contra a “ideologia de gênero” (sic), um espantalho criado que segue inexistente
na boca de qualquer pessoa que se interesse a estudar o assunto. Torço que o
poder municipal reconsidere sua decisão e permita que nossas crianças tenham
acesso respeitoso e de qualidade a estes conteúdos. E, de forma análoga, na torcida que o prefeito
se reposicione em algumas ocasiões saindo de condição de democrata semileal.
* Disponível em: https://diplomatique.org.br/o-brasil-e-o-avanco-da-extrema-direita/, acesso em 14 de dezembro de 2024.
** Texto publicado na página 04 do jornal Folha da Manhã em 14 de dezembro de 2024.
*** Cientista político, sociólogo e professor no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos.