sexta-feira, 3 de maio de 2024

Relembrando os ataques à Vai-Vai após o Carnaval 2024 - A estigmatização da cultura popular como arma da especulação imobiliária

Colagem sem alteração das imagens originais 
(Fontes: imagem superior à esquerda da GRCSES Vai-Vai; foto do cartaz Quilombo Saracura de Paulo Santiago de Augustinis/Lugares de Memória; foto de pessoas protestando de Elton Santana/ECOA/UOL; foto na frente da antiga quadra da Vai-Vai; a imagem do projeto da Estação 14 Bis do Metrô CPTM).

 

"E alli vão morrendo aos poucos, - sacrificados pela propria liberdade que não souberam gosar, recosidos pelo alcool e estertorando nas angustias do brightismo [termo genérico para doenças nos rins] que os dizima, eliminados pela elaboração anthropologica da nova raça paulista - os que vieram nos navios negreiros, que plantaram o café, que cevaram este solo de suór e lagrimas, accumulados alli, como o rebutalho da cidade, no fundo lobrego de um valle" (sic). (Fragmento de "A Saracura" publicado em 09/10/1907 na seção Factos Diversos do Correio Paulistano, sobre a comunidade negra do Bixiga).


Jefferson Nascimento*


1. Preâmbulo ao texto original

No início do século passado, o entorno do rio Saracura era caracterizado como parte sombria de um vale e era habitado por indivíduos "sacrificados pela propria liberdade" e que seriam "eliminados pela elaboração anthropologica da nova raça paulista" (sic). A área na região da atual Bela Vista era, na verdade, habitada por pessoas que lutaram pela sua liberdade formando o Quilombo do Saracura, que superaram a escravidão e foram preteridas na composição da mão-de-obra assalariada em favor de imigrantes, atraídos também para fins da política estatal de branqueamento. 

                                                                                                      
Imagens do Vale do Saracura (Fonte: Museu da Saúde Pública / Instituto Bixiga)[v]

Hoje, a região passou a ser caracterizada como a "Bela Vista: diversa e boa de negócio", cuja matéria do "Imóveis de Valor" começa assim:

Tem metrô perto? Tem, a Linha Verde e, futuramente, a Linha Laranja [refere-se à Estação 14 que está sendo construída e que gerou a desapropriação da Quadra da Vai-Vai]. Fica próximo de eixo financeiro? Sim: a Avenida Paulista. E se precisar de hospital? Há pelo menos sete que são referências nacionais. Mas, na hora de relaxar, quais as opções? Três shopping centers, bares, restaurantes, centros culturais e o Masp. Tudo isso fica no bairro da Bela Vista, na região central da capital, cuja diversidade de público e de atrações tem captado a atenção do setor imobiliário.

Essa mudança de perspectiva não ocorre sem embates. Antes, vou contextualizar a temática partindo de um dado debatido por Renato Nucci Júnior, em "Marielle Franco - mártir da luta pela terra", publicado no site A Terra é Redonda: estamos diante de uma escalada dos antagonismos pela terra, resultando em "[...] 358 mil conflitos urbanos e rurais", segundo a Campanha Despejo Zero e o Mapeamento Nacional dos Conflitos por Terra e Moradia. Nas palavras do autor, a causa é a oposição dos "[...] interesses do latifúndio, nas áreas rurais, e da especulação imobiliária, nas áreas urbanas, aos interesses das massas trabalhadoras."

No Rio de Janeiro, o avanço das milícias sobre terrenos e imóveis urbanos é a causa (ou uma das principais causas) para a encomenda do crime que resultou na morte de Marielle Franco e Anderson Gomes pelos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão. Como bem enfatizou Renato Nucci Júnior no texto supracitado, esse crime precisa ser compreendido também a luz da escalada dos conflitos fundiários, a despeito de a mídia priorizar a corrupção e o sequestro das instituições políticas pelo crime organizado. 

Em São Paulo, agentes desses interesses usam também outras estratégias, viabilizadas pelo aparelhamento do Poder Público para avançar sobre populações vulneráveis para realizar ganhos via especulação imobiliária. São exemplos: (1) deslegitimação da atividade pastoral do Padre Júlio Lancelloti em socorro às pessoas carentes e moradores de rua pela base bolsonarista e neoliberal na Câmara dos Vereadores e nas redes sociais, para favorecer a remoção dessas populações e "valorizar" determinadas áreas de interesse; (2) medidas de prefeitos e governadores, por meio da Guarda Civil Metropolitana e/ou da Polícia Militar, para operações violentas e higienistas contra dependentes químicos da (ou das) Cracolândia(s); (3) concessões de parques e espaços públicos à iniciativa privada - tal como denunciou o Blog do Paulinho, a polêmica e obscura outorga do Pacaembu ao consórcio presidido por Rafael Carneiro Bastos, que é sobrinho de Reinaldo Carneiro Bastos (presidente da FPF - Federação Paulista de Futebol) e casado com uma sobrinha de Gilberto Kassab (ex-prefeito da capital paulista e presidente do PSD - Partido Social Democrático); e (4) o ataque coordenado de autoridades e importantes veículos da imprensa paulista contra a GRCSES - Grêmio Recreativo Cultural e Social Escola de Samba Vai-Vai.

O último (4) é objeto deste texto e se refere à realização de interesses imobiliários na região da Bela Vista. Para tal, o ataque à memória da população negra paulistana, cujo Quilombo da Saracura foi importante instrumento de luta e de constituição da identidade, é complementado pela ofensiva contra os vínculos comunitários e pelo deslocamento de organizações e entidades que fomentam a cultural popular local, como a Vai-Vai.

O texto que reproduzo a seguir foi publicado originalmente em 20 de fevereiro de 2024, na Seção Cultural da Nota Semanal de Conjuntura (n° 7 – Ano VI) da Arma da Crítica[i]Da publicação até agora, algumas coisas ficaram mais evidentes. 

A Folha admitiu em 14 de fevereiro[ii], embora sem a mesma publicidade dada aos ataques, que as negociações para a construção da Estação 14 Bis e a reparação paga pela Acciona foram ruins para a Escola. Afinal, o Ministério Público entrou na justiça para impedir a construção da nova quadra alegando se tratar de uma “Zona Especial de Interesse Social - 3” (ZEIS-3), o que obriga a construção de moradias populares em 60% da área. Logo, a Vai-Vai pode não conseguir construir sua quadra na Bela Vista mesmo aceitando torná-la apenas sede social, deixando os ensaios para outro local. A Folha também reconheceu que a Escola indicou 03 (três) terrenos que poderiam ser compradas pela Acciona para o ressarcimento e o lote da polêmica foi comprado porque os outros proprietários não quiseram negociar. Ao contrário do que dava a entender na época, a escola não direcionou o consórcio para uma transação favorável a Luiz Roberto Marcondes Machado de Barros (Beto Bela Vista); a agremiação apenas indicou três áreas compatíveis com a construção da nova quadra. 

Veja, não se trata de escolher a Escola em detrimento de moradias populares, é justamente questionar essa falsa oposição entre cultura e habitação. Seria possível construir a mesma quantidade de moradias em outros terrenos ou em edificações subutilizadas da região - claro, isso incomodaria a especulação imobiliária. Seria possível ainda ressarcir a Escola com outro terreno na mesma região, melhorando as propostas aos proprietários das outras áreas indicadas por ela ou realizando a desapropriação de uma por interesse público e indenização justa. Em todo caso, é importante lembrar que as dificuldades para licenças acompanharam todo o processo e quando da revisão do Plano Diretor em 2023 todos atores envolvidos sabiam da homologação do acordo entre Acciona e Vai-Vai. Perguntar não ofende: não há terrenos e edifícios subutilizados que possam compensar o número de moradias em caso de construção da quadra? Nenhum órgão do Poder Público considerou o direito à cultura, por meio da Vai-Vai? Se a questão do zoneamento é favorecer a permanência das pessoas pobres em lugares que possuem vínculos, garantir meios para a cultura popular não é importante e dependente de áreas para tal? Ou ignorar a história de desapropriações da Escola, seu vínculo comunitário e o acordo de ressarcimento sem um alerta para a adequação do zoneamento cumprem outros interesses?

Terreno adquirido pela Acciona para ressarcir a desapropriação da quadra da Vai-Vai. Segundo ação do MP, área fica em zona especial de interesse social (imagem: Zanone Fraissat/Folhapress). 

As respostas para as perguntas acima sempre serão formuladas de acordo com o interesse dos interlocutores, mas o fato é que tudo isso era conhecido, debatido e ainda foi alertado em novembro de 2023 por líderes comunitários, dirigentes da escola na reunião 20393 (audiência pública da Revisão da Lei de Zoneamento do Bixiga/Bela Vista). Não é banal, porém, que a Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente fosse (e ainda seja) presidida pelo vereador Rubinho Nunes (União Brasil), o mesmo que liderou os ataques ao Padre Júlio Lancellotti.

2. Introdução

No documentário Enquanto a tristeza não vem, o músico Sérgio Ricardo (1932-2020) disse “[...] quem se esclarece da própria cultura tem cidadania, é um sujeito emancipado, ele sabe o que é o seu país”. Analisando música, teatro e cinema, o artista via na Ditadura Civil-Militar (1964-1985), a partir do AI-5, o momento de erosão do elo entre o povo brasileiro e as manifestações artísticas críticas ao status quo. O processo não foi revertido com a redemocratização, apesar de exceções resistentes à indústria cultural.

Ampliando a análise, o carnaval é exceção; logo, alvo nos ataques à cultura popular. No podcast Lado B, Luiz Simas mencionou a construção do Estado-nação brasileiro visando “desarticular sentidos coletivos de vida e aniquilar as culturas não-brancas”, enquanto o carnaval está entre as manifestações de construção dos sentidos dos excluídos, sendo “[...] a vitória da brasilidade sobre o Brasil”. Por isso, é bombardeado pela (1) negação da legitimidade e demonização de seus componentes e manifestações; e (2) cooptação e ocupação via “arenização” dos sambódromos[iii], enredos comprados e uso eleitoral de escolas, como o clã Abraão David (hoje no PL-RJ) faz com a Beija-Flor de Nilópolis, Milton Leite (União Brasil-SP) faz com a Estrela do Terceiro Milênio e Helder Barbalho (MDB-PA) negocia para fazer da Grande Rio um instrumento ad-hoc.

Por isso, a reação coordenada a uma das alas do GRCSES Vai-Vai no Carnaval deste ano em São Paulo precisa ser entendida a partir de poderosos interesses econômicos. Nesse ínterim, é necessário adicionar informações à cobertura do principal veículo de imprensa a afirmar vínculos da Vai-Vai com o crime organizado, o Grupo Folha/UOL.

 

        3. O que a Folha não dizia

Escolas de samba são associações civis com disputas políticas internas. O investigado Luiz Roberto Marcondes Machado de Barros (Beto Bela Vista), residente e empresário no bairro, foi diretor da Vai-Vai, eleito pela comunidade quando a agremiação era presidida por Darly Silva (2010-2019). Em 2020, devido à crise, a administração da Escola passou para um conselho gestor, presidido pela Dra. Anna Maria Gilbert Finestres em 2020 e Clarício Gonçalves em 2021. A atual gestão de Clarício foi eleita em 2022, quando terminou o mandato de Beto Bela Vista. As investigações verificam se Beto é um dos líderes do núcleo externo aos presídios do PCC, o que ele e sua defesa negam. O empréstimo[iv], que provaria o vínculo da escola com o crime, foi para o carnaval de 2022 e consta em investigação da Polícia Civil e do Ministério Público. A investigação não é nova e o dinheiro não tem relação com o enredo de 2024.

 

        4. O que a Folha disse só no final ou com pouca ênfase

Várias pessoas e empresas emprestaram dinheiro para a Escola em crise, que acabou rebaixada em 2022. Os empréstimos foram registrados em cartório, membros do conselho e o presidente deram depoimentos e apresentaram documentos. Outra linha para investigar a escola "como reduto do PCC" foi o terreno para construção a nova quadra. Paira a dúvida se Beto Bela Vista – ex-proprietário – lavou dinheiro na compra realizada em espécie por R$ 2,8 milhões. Entre a aquisição por Beto Bela Vista e a venda por R$ 6,8 milhões decorreu quase um ano. Houve insatisfação entre associados quando souberam quem vendeu o lote para a Acciona e que o caráter residencial do local permitiria, no máximo, atividades sociais e não ensaios para o carnaval. No momento, a sede da escola está na quadra emprestada pelo Sindicato dos Bancários, próxima à praça da Sé (imagens abaixo).


 
Parte interna da Quadra do Sindicato dos Bancários (fonte: Vai-Vai); parte externa na Rua Tabatinguera n° 192 (imagem gerada pelo Google Maps).

 

         5. Contexto

A Bela Vista, que engloba o Bixiga, nasceu de uma fazenda e lá existiu o Quilombo do Córrego Saracura. A região foi ocupada por ex-escravizados no século XIX e depois por imigrantes italianos empregados nas fábricas próximas. 

  
Imagens do Documento do IPHAN, disponível na matéria Sylvia Leite para o site Lugares de Memória.[vi]

Na década de 1920, um grupo de amigos animava festas e jogos de futebol do Cai-Cai, clube alvinegro sediado no Bixiga, que mandava seus jogos em campos de várzea próximo ao Rio Saracura. Em 1930, desse grupo veio a oficialização do Cordão Carnavalesco e Esportivo Vae-Vae.

Campo de Várzea do Vale do Saracura (Fonte: Museu da Cidade de São Paulo / Instituto Bixiga)[vii]

  

Em que pese ter se tornado Escola de Samba Vai-Vai em 1972, a agremiação se fazia presente na Bela Vista/Bixiga como importante entidade cultural desde 1930. Isto é, antes do TBC - Teatro Brasileiro de Comédia (1948) que trouxe o aspecto boêmio do distrito. A primeira sede da Vai-Vai era uma casa, que foi desapropriada para construção do Minhocão em 1972, mudando para a antiga quadra escola, na Rua São Vicente n° 276 – desapropriada em 2021 para construção da nova estação 14 Bis da Linha Laranja do Metrô.[viii]


 Imagens da quadra da Rua São Vicente n° 276, desapropriada em 2021 para a construção da Estação de 14 Bis (imagem superior: Edson Lopes Jr./UOL; imagem inferior: Wadson Henrique/SRzd).


A desapropriação envolveu um acordo: a empresa Acciona, responsável pela obra, deveria comprar o terreno para a escola construir a quadra. No entanto, a Vai-Vai ainda não obteve as autorizações para construir e, caso consiga, não poderá fazer ensaios de carnaval, que antes ocorriam nas ruas da Bela Vista. A Prefeitura de São Paulo ofereceu outro terreno na Marginal Tietê. A “generosidade” daria espaço para a Arena Vai-Vai, onde poderia realizar as atividades típicas de carnaval. Claro, seria esperar muito que a Folha questionasse o motivo das autorizações não terem saído ainda.

 Hoje, a Bela Vista é uma região central atrativa, onde ricos do Morro dos Ingleses, points da gastronomia italiana e classe média dividem espaço com remanescentes operários e negros. Veja as imagens abaixo:

As imagens acima constam na matéria "Bela Vista: diversa e boa de negócio"

Conversei com uma pessoa vinculada à escola há mais de 40 anos, antes das escolas de Torcidas Organizadas adquirirem a força atual. Na família dela há membros da Vai-Vai e da Rosas de Ouro. Os pais, que também torcem e participaram da Vai-Vai, moravam na Bela Vista e possuía familiares (tios e primos) na Brasilândia e na Bela Vista. Devido à mudança no mercado imobiliário hoje a família se divide entre Perus e o município de Caieiras. Essa modificação do padrão social e étnico da Bela Vista tem relação com a desapropriação da Vai-Vai, que desagrada frações burguesas da especulação imobiliária.

A Rosas, citada antes, nasceu na Brasilândia, distrito historicamente composto por conjuntos habitacionais e classes populares, que vive um processo de mudança no perfil populacional. Hoje, aumentam os bairros de classe média no distrito. A Rosas se mudou há algumas décadas para a Freguesia do Ó, perto da Marginal Tietê e do Sambódromo do Anhembi. Neste caso, não tão longe da Brasilândia.

Diferente do Rio de Janeiro, as escolas de torcida ganharam força em São Paulo também porque parte das escolas tradicionais foram separadas de sua comunidade original e levadas (pela especulação e pela localização do Sambódromo) a sair de seus bairros para as proximidades da Marginal Tietê. A Vai-Vai, chamada de "A mais popular", resiste ao processo buscando audiência até com Governo Federal para permanecer no local original. Nos anos 1990 e 2000, sua alcunha mais usada era "Saracura" e hoje enfatiza Bela Vista - onde quer permanecer apesar da especulação imobiliária.

É óbvio que quaisquer indícios de atividade criminosa devem ser investigados. Escuto pesquisadores sérios há décadas alertando possíveis vínculos do crime organizado com escolas de samba, como ocorre com postos de gasolina, bares e restaurantes, transporte alternativo, etc. O problema não é que a Vai-Vai seja investigada. Ela foi. Soa estranho que o tema volte à mídia supostamente em reação à crítica à polícia (abaixo, imagem da ala). Sejamos justos, críticas feitas a partir da interpretação e do contexto do álbum "Sobrevivendo ao Inferno". Não parece oportunismo usar o enredo para falar em desapropriar a escola novamente? Se algum gestor permitiu relações perniciosas, a agremiação toda deve ser inviabilizada ou o indivíduo deveria ser punido?


 Acima, foto da ala crítica às ações policias que desencadeou reações (fonte: Marcello Fim/ Zimel Press/ Estadão Conteúdo); abaixo, colagens com fotos do desfile de minha autoria.

 

        6. Resumindo

Faço um adendo à versão original do texto recorrendo novamente à análise de Renato Nucci Júnior sobre o contexto para ressaltar que os ataques à Vai-Vai não é uma mera discordância ao enredo.

O atual estágio da acumulação capitalista no Brasil, apoiado na agromineração exportadora e na especulação imobiliária, ambos conectados de diferentes formas ao sistema financeiro nacional e internacional, necessita ampliar o monopólio do capital sobre a terra e os recursos naturais. O resultado é o permanente conflito entre latifúndio urbano e rural de um lado e, de outro, camponeses, posseiros, quilombolas, indígenas, ribeirinhos e moradores em habitações irregulares nas cidades.

Essa investida tem a mesma raiz da opugnação aos trabalhos do Padre Júlio Lancelotti: a especulação imobiliária politicamente representada por bolsonaristas e neoliberais. Logo, a adesão da Folha (menos enfática no caso Lancellotti pela questão religiosa) e a coincidência da linha de frente política com a base de Ricardo Nunes e de Tarcísio de Freitas não surpreendem e mostram que não é trivial que Meyer Nigri, fundador da Tecnisa e apoiador de Tarcísio, seja um dos empresários investigados por incitar o golpe de Bolsonaro. A Tecnisa e outras várias empresas do ramo lucram com a compra de terrenos para construção de condomínios (apartamentos, salas comerciais e estúdios) em regiões atrativas de São Paulo. 

A região da Bela Vista atualmente é uma dessas áreas atrativas, inclusive o Bixiga nas proximidades do Saracura, que outrora era caracterizado pela elite paulistana como "fundo lobrego de um valle" (sic). Falta, no entanto, remover as pessoas que deram vida à região - obra que a "elaboração anthropologica da nova raça paulista" (sic) não foi capaz de realizar - e resistem mesmo com as diversas ofensivas econômicas, ousando cultivar memória, declarar sua identidade cultural e reclamar o direito de ser e estar em seu lugar. Para isso, os agentes da especulação imobiliária entendem que é preciso atingir a Escola de Samba, que fortalece a vida comunitária e ajuda as pessoas a resistirem. Enfrentar o projeto de aniquilação das culturas não-brancas é uma das trincheiras populares contra aqueles que pretendem, para realizar seus interesses políticos e/ou econômicos, a hegemonia do Brasil “oficial” e o carnaval – gostem ou não – está nesse front.

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* Jefferson Nascimento é Doutor em Ciência Política pela UFSCar, professor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e autor do livro Ellen Wood: a luta pela democracia e o resgate da classe (Appris).



[iii] O termo, usado por Simas no podcast Lado B, remete a um processo similar ao ocorrido nos estádios de futebol brasileiros marcado pela redução de espaços acessíveis às classes populares.

[viii] Nas obras de escavação para a estação do Metrô, há três metros de profundidade, encontraram um sítio arqueológico com objetos do Quilombo do Saracura, datados do século XIX ao início do século XX, registrados no IPHAN como de alta relevância histórica.

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